Publicamos hoje a famosíssima e inusitada petição judicial, escrita em versos pelo poeta, advogado e homem público paraibano Ronaldo Cunha Lima (1935 – 2012), denominada HABEAS PINHO.
Consta que a motivação para o documento foi o fato de que, em 1955, um grupo de boêmios de Campina Grande fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu… o violão!… Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, na época recentemente saído da Faculdade, e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.
Aquele pedido ficou conhecido como “Habeas Pinho” e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praia, no Nordeste Brasileiro.
Eis a famosa petição (HABEAS PINHO):
“Exmo. Sr. Dr. Artur Moura, Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,
O instrumento do crime que se arrola Neste processo de contravenção Não é faca, revólver nem pistola. É simplesmente, Doutor, um violão!
Um violão, Doutor, que, na verdade, Não matou nem feriu um cidadão. Feriu, sim, a sensibilidade De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura, Instrumento de amor e de saudade. Ao crime ele nunca se mistura. Inexiste, entre os dois, afinidade.
O violão é próprio dos cantores, Dos menestréis de alma enternecida, Que cantam as mágoas e que povoam a vida, Sufocando, assim, suas próprias dores.
O violão é música e é canção, É sentimento de vida e alegria, É pureza e néctar que extasia, É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório, Porém, seu destino o perpetua: Ele nasceu para cantar, em plena rua, E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo, pelo Amor da noite Que se sente vazia em suas horas, Para que volte a sentir o terno açoite De suas cordas leves e sonoras. Libere o violão, Dr. Juiz, Em nome da Justiça e do Direito! É crime, porventura, o infeliz, Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado, Será delito de tão vis horrores, Perambular na rua um desgraçado, Derramando na rua as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos, Na certeza, já, do seu acolhimento. É somente liberdade, o que pedimos E, nestes temos, vem pedir deferimento!
Assinado: Ronaldo Cunha Lima, advogado.
O juiz por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.
Recebo a petição escrita em verso E, despachando-a sem autuação, Verbero o ato vil, rude e perverso, Que prende, no Cartório, um violão. Emudecer a prima e o bordão, Nos confins de um arquivo, em sombra imerso, É desumana e vil destruição De tudo que há de belo no universo. Que seja Sol, ainda que a desoras, E volte á rua, em vida transviada, Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz, Noite de luz, plena madrugada, Venha tocar à porta do Juiz. “