O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, se declarou nesta sexta-feira (25) disposto a se reunir com o líder opositor, Juan Guaidó, autoproclamado chefe de Estado interino, que quase simultaneamente afirmou que não se prestará a um “falso diálogo”.
“Estou comprometido com o diálogo nacional. Hoje, amanhã e sempre estarei comprometido e pronto para ir aonde tiver que ir. Eu, pessoalmente, se tiver que ir me encontrar com esse rapaz (Guaidó), vou”, assegurou Maduro em coletiva de imprensa no Palácio de Miraflores.
Diante de centenas de simpatizantes em um comício na praça central de Chacao (leste de Caracas), Guaidó, presidente do Parlamento – de maioria opositora -, recusou-se a se sentar à mesa de negociações, ao se referir perante a imprensa a iniciativas propostas por México e Uruguai.
“A repressão, quando não lhes dá resultado, se torna um falso diálogo (…) O mundo e este regime devem ter muito claro: ninguém se presta aqui a falso diálogo”, advertiu Guaidó, consultado pela imprensa em sua primeira aparição pública desde que se autoproclamou presidente interino na quarta-feira. “Presidente!”, repetiam, em coro, seus seguidores.
Nesta sexta, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, disse que as portas de seu país estão abertas para que Maduro e Guaidó dialoguem. “Se as partes solicitarem, estamos na melhor disposição de ajudar”, manifestou.
Na Casa de Governo, Maduro, de 56 anos, reiterou suas denúncias de um golpe de Estado da direita em andamento, orquestrado pelos Estados Unidos.
“Golpe seria se me levassem, isso é um golpe”, declarou Guaidó, cercado de jornalistas, ao comentar o risco de ser preso.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu na sexta-feira medidas cautelares de proteção a favor de Guaidó, por considerar que sua vida e integridade física correm perigo “em um contexto de grande crise política”.
O líder da oposição se autoproclamou presidente interino, invocando o artigo 233 da Constituição, que destaca a existência de uma vacância de poder com a renúncia, a incapacidade mental, a morte do presidente ou o abandono do cargo, um ponto polêmico, pois o Congresso já o tinha declarado em 2017, embora suas decisões sejam consideradas nulas pela Suprema Corte.
– “Rua por um tempo” –
O líder opositor, de 35 anos, convocou uma “grande mobilização” para a próxima semana após as marchas multitudinárias de opositores e governistas na quarta-feira, no âmbito das quais 26 pessoas morreram e 350 foram detidas.
“Os que pensam que murchamos, vão ficar na vontade, porque aqui tem gente na rua por um tempo, até conseguirmos o cessar da usurpação, um governo de transição e eleições livres”, disse Guaidó, ao destacar que a data será informada no domingo.
Sem uma convocação concreta, Maduro conclamou à “revolução popular contra o golpe de Estado”: “Povo à rua”.
Como parte de sua estratégia, Guaidó não descartou incluir Maduro na anistia que oferece a militares e civis que ajudam com uma transição, mas afirmou que no caso do presidente seria preciso avaliá-lo bem porque se trata de “um ditador”.
O líder do Parlamento quer quebrar a principal sustentação de Maduro, a Força Armada, que na quinta-feira expressou sua “lealdade absoluta” ao presidente.
“Chegou o momento de se colocar do lado da Constituição, de respeitar e se posicionar ao lado do povo”, manifestou, dirigindo-se aos militares.
Guaidó afirmou que trabalha para que chegue ajuda humanitária ao país e proteger os ativos venezuelanos no exterior. Na quinta-feira, o Departamento de Estado americano anunciou que prepara uma ajuda de 20 milhões de dólares para entregar à Venezuela “quando for possível”.
– Venezuela continuará vendendo petróleo aos EUA –
Washington pediu uma reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a Venezuela no sábado, mas pressionou sem sucesso para que a Organização de Estados Americanos (OEA) reconheça Guaidó em uma sessão na quinta-feira.
Maduro delegou nesta sexta seu chanceler, Jorge Arreaza, para participar da reunião.
O secretário de Estado, Mike Pompeo, nomeou Elliott Abrams, um questionado diplomata que trabalhou nas campanhas anticomunistas na América Central nos anos 1980, como emissário para “restaurar a democracia” na Venezuela.
Após se autoproclamar presidente interino, Guaidó recebeu primeiro o apoio dos Estados Unidos, seguido de Canadá e de uma dezena de países latino-americanos. Maduro obteve o apoio de seus aliados Rússia, China, Turquia, Nicarágua, Bolívia e Cuba, enquanto México e Uruguai mantiveram seu reconhecimento.
A União Europeia (UE) se prepara para exortar o presidente a convocar “imediatamente” as eleições, com alguns membros, como Alemanha e Espanha, propondo o reconhecimento a Guaidó.
Em resposta ao apoio decidido de Washington ao opositor, Maduro rompeu relações com os Estados Unidos, deu 72 horas de prazo para os diplomatas americanos deixarem o país e anunciou o fechamento de sua embaixada e seu consulado naquele país. Um grupo de diplomatas não essenciais deixava a Venezuela nesta sexta.
Em desafio à decisão de Maduro, Guaidó assegurou que a embaixada dos Estados Unidos em Caracas continuará aberta e pediu a funcionários consulares venezuelanos que permaneçam no país.
A grande incógnita é até onde Trump vai levar sua ofensiva contra o governo Maduro. Os Estados Unidos compram da Venezuela um terço de sua combalida produção de 1,4 milhão de barris diários de petróleo, fonte de 96% de suas divisas.
Segundo analistas, o presidente americano pode considerar congelar ativos da Venezuela e impor sanções petroleiras. “Sem controle financeiro, a posição de Maduro seria seriamente socavada”, destacou a consultora Capital Economics.
“Se não comprarem de nós batata, cebola, frangos ou petróleo, venderemos a outro lado”, disse Maduro em entrevista com meios de comunicação estrangeiros no Palácio de Miraflores.
Estados Unidos, UE e uma dezena de países latino-americanos não reconheceram o segundo mandato iniciado por Maduro em 10 de janeiro por considerar sua reeleição fraudulenta.
O agravamento da crise política ocorre em meio à pior crise econômica da história moderna da Venezuela, com sua petroleira Pdvsa declarada em default e uma hiperinflação que o FMI estima que vá chegar a 10.000.000% este ano.
“Tudo sugere que a hiperinflação desencadeia uma agitação política e econômica dramática”, acrescentou a Capital Economics. (AFP)