Fritado por Bolsonaro, Mandetta é apoiado pela população

Correio Braziliense

Alvo de fritura explícita pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não parece se abalar e mantém as orientações ao país de seguir com o isolamento social que tanto irrita o chefe do Executivo. Ontem, ele pediu à população que siga as determinações dos governadores para combater a disseminação da Covid-19. De acordo com o ministro, os líderes dos Executivos estaduais têm acesso aos dados detalhados sobre a situação de cada região e saberão o que fazer. Os governadores são alvo de críticas de Bolsonaro por terem decretado o fechamento de escolas e comércios.

“Nós recomendados que as pessoas, todas elas, atendam às recomendações dos governadores dos seus estados, que têm os melhores números, os melhores indicadores para propor as medidas. O que é da minha responsabilidade é dizer: temos uma doença infecciosa respiratória viral, o vírus é competente e, se nos juntarmos, vamos fazer contaminação uns dos outros”, pregou.

Questionado se pedirá demissão por causa das críticas que vem sofrendo de Bolsonaro, Mandetta afirmou: “Quanto a deixar o governo por minha vontade, tenho uma coisa na minha vida que aprendi com meus mestres: médico não abandona paciente”, enfatizou o ortopedista. “O compromisso do médico é com o paciente, e o paciente, agora, é o Brasil”, frisou. Na quinta-feira, o chefe do Executivo acusou o ministro de falta de humildade e disse que ele extrapolou suas funções. Também revelou que os dois se bicam “há algum tempo”. Perguntado sobre o assunto, Mandetta comparou a atitude de Bolsonaro à de um familiar que contesta procedimentos médicos, mas ressaltou que “o compromisso (do médico) é com o paciente”. “É normal que quem tem amor pelo Brasil, como é o caso do presidente Bolsonaro, se preocupe e questione as decisões. Da minha parte, isso é muito tranquilo.”

Mandetta frisou que todo o primeiro escalão do governo tem acesso aos dados que revelam a profundidade da doença no país e que cada um decide como usá-los. “É muito temerário perguntar para alguém que tem todos os números que nós temos, todas as informações que nós temos, que são compartilhadas com todos os ministros, com o presidente, os números estão lá, ai é uma questão de saber como interpretar esses números”, completou. Ele destacou, ainda, que chegou a cargo por vontade do chefe do Executivo, e que continua por vontade dele.

Elogios

Em meio aos ataques que sofre do chefe, Mandetta tem ganhado cada vez mais apoio. Na quinta-feira à noite, sem previsão na agenda, ele se reuniu com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No encontro, recebeu elogios dos líderes do Congresso por seu trabalho.

Ontem, Maia enalteceu a postura do ministro. Disse que a atuação dele é pautada na ciência e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da experiência de outros países no enfrentamento da doença, por isso, tem o respaldo de parlamentares e da população. Uma evidência é mostrada por pesquisa da Datafolha, apontando que 76% dos brasileiros aprovam a atuação do Ministério da Saúde, e 33%, menos da metade, a de Bolsonaro — o instituto entrevistou 1.511 pessoas, por telefone, entre 1º de abril e quinta-feira.

“É um resultado que mostra que a sociedade está compreendendo, primeiro, o que representa o vírus, a prevenção e todo o trabalho comandado pelo ministro Mandetta”, disse Maia. “É a demonstração clara da sociedade de que a ciência é prioridade de todos. Acompanhar o que dizem os profissionais da área de saúde, os resultados de outros países e a condução firme e corajosa do ministro, que vem conduzindo com muita competência e mostrando suas qualidades como gestor público em um momento difícil como este.”

Maia também afirmou que todos os decretos do presidente são avaliados rigorosamente por parlamentares. Uma medida que, eventualmente, contrarie as determinações do Ministério da Saúde e da OMS, por exemplo, não passaria na Câmara. “O presidente fez escolhas pessoais para os ministérios. E deixou isso claro. O Mandetta foi escolha dele, embora seja filiado ao partido, um grande quadro, ele foi escolhido pelas qualidades técnicas”, afirmou. “Esse conflito que ele (Bolsonaro) constrói não faz nenhum sentido. Ele delegou ao ministro a área técnica. O que eu acredito é que o ministro tem conseguido, com toda a dificuldade, organizar as coisas.”

Popularidade

Mandetta ganhou apoio também do ministro da Justiça, Sérgio Moro, de integrantes da ala militar, e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. A popularidade dele tem aumentado a cada dia, com muitos pedidos na internet para que se candidate nas eleições presidenciais de 2022, embora afirme que não tem pretensões políticas.

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Para Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é natural que a sociedade encontre novos líderes quando os atuais começam a falhar. “O poder não fica órfão. Se alguém não exerce o poder, outro exercerá. No meio da crise da pandemia, o presidente não mostrou qualidades suficientes para se tornar o líder que o Brasil precisaria, a tranquilidade, a seriedade e a competência técnica para lidar com esse problema grave, com consequências sociais, econômicas, políticas e até mesmo culturais”, argumentou. “Na ausência da liderança de Bolsonaro nesse processo, o ministro Mandetta assumiu esse posto. Quando se lidera numa situação como essa, de crise, de guerra, de pandemia, de desastre, se fizer da maneira correta, se comunicando com transparência, sendo competente no discurso e nas ações, você ganha capital político.”

Desaprovação

Outra pesquisa divulgada ontem, da XP Investimentos, mostra que para 44% dos entrevistados a atuação de Bolsonaro para combater a Covid-19 tem sido ineficaz. Apenas 29% consideraram como positiva a postura dele diante da crise. Além disso, a população divergiu do presidente quanto à necessidade do isolamento social: na opinião de 80%, essa é a melhor forma de tentar evitar a proliferação do vírus. Para completar, 60% discordaram total ou parcialmente que o mais recomendado seria o isolamento vertical, tipo de confinamento que prega o chefe do Executivo em que apenas idosos deveriam cumprir quarentena. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi classificado por 68% dos entrevistados como o mais qualificado para o combate à pandemia. Foram ouvidas 1 mil pessoas, por telefone, entre os dias 30 de março e 1 º de abril.