Excesso de faculdades de Direito implodem o mercado de trabalho…

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Vladimir Passos de Freitas

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil levou ao conhecimento do Conselho Nacional de Justiça que o Brasil já conta com 1.280 Faculdades de Direito, com quase 800 mil advogados inscritos na entidade e cerca de 3 milhões não aprovados no Exame de Ordem, sendo que o restante do mundo possui em torno de 1.100 cursos.

A impressionante notícia foi levada pelo advogado Jefferson Kravchychyn, que conta no seu currículo, entre outras coisas, com as experiências de ter sido presidente da OAB de Santa Catarina, conselheiro do CNJ e conselheiro Federal da OAB.

Tal fato merece reflexão e essa só pode ser feita em análise abrangente, holística, ou seja, tendo em vista todos os aspectos envolvidos na questão.

O primeiro aspecto é o ligado à própria notícia, ou seja, a proliferação dos cursos de Direito. Presentes, atualmente, em grande parte do território nacional, por vezes como mero campus, uma extensão da Faculdade (ou Escola de Direito) localizada na capital, instalam-se tais cursos sem grandes dificuldades. Por exemplo, na região metropolitana de Curitiba, encontram-se 23 cursos de Direito e diz-se que mais um será em breve implantado.

Mas por que tantos cursos de Direito? Parte da resposta está no aspecto econômico. O curso de Direito não exige muitos gastos, não tem laboratórios, equipamentos sofisticados. Precisa apenas de algumas salas de aula, um corpo de professores cuja remuneração, exceto nas universidades de bom porte, é baixa, e uma biblioteca. Essa não representa maiores despesas, porque pode ser comprada de herdeiros de antigos profissionais do Direito, que não têm espaço e não sabem o que fazer com milhares de livros deixados por seus ascendentes. Portanto, Faculdades de Direito propiciam bons lucros.

Continua…

Ainda assim, não se pode negar que elas têm a vantagem de disseminar cultura, levando a um bom número de pessoas, por vezes residentes em locais distantes dos grandes centros, maior conhecimento da legislação brasileira e dos direitos e deveres de cada um. Esse é o aspecto positivo, a possibilidade que dão a profissionais já estabelecidos (por exemplo, contadores e bancários) de elevar sua cultura e até sonhar com nova atividade profissional.

Nisso tudo há que se ter em conta o custo/benefício, ou seja, proliferação de cursos versus benefício social a uma parcela da sociedade. Há que se analisar, também, os resultados para os alunos, quantos conseguiram posição no mercado que lhes garanta o sustento.

Não raramente, o dinheiro investido pelo estudante (ou seus pais) em um curso, já que a absoluta maioria das faculdades é particular, acaba não rendendo os frutos desejados. Ao final de cinco anos, mesmo aprovados na OAB, a maioria dos profissionais contenta-se em trabalhar para um grande escritório, mediante pagamento de R$ 1.400 ou pouco mais, salário inferior ao de uma babá qualificada. Outros nem isso conseguem e direcionam-se para empregos sem nenhuma relação com os estudos universitários.

Os concursos, que atraem muitos pela segurança que oferece um cargo público e vencimentos que vão de bom a ótimo, acabam sendo para poucos. O percentual de aprovados é ínfimo, o sucesso exige anos de estudos, dedicação absoluta, renúncias reiteradas.

A par das frustrações econômicas, alia-se o desapontamento pessoal e familiar. Cansado de responder às perguntas de amigos e familiares sobre sua vida profissional, o jovem, com a autoestima em baixa, não raramente vê-se alcançado pela depressão.

Por parte da família não é diferente. Os pais, muitas vezes pessoas simples, que com muito sacrifício pagaram o curso, veem seus sonhos de ter um filho brilhando dissolverem-se no ar.

Mas o que diferencia os cursos de Direito de uma para outra instituição? Uma faculdade isolada, mesmo nas capitais, oferece aulas. Uma faculdade pertencente a uma universidade de porte vai além. Por exemplo, a PUC-PR proporciona aos seus alunos da graduação, além das aulas, cursos de línguas, atendimento psicopedagógico, convênios com instituições em diferentes partes do mundo, incentivo à pesquisa científica (Pibic), com oferecimento de bolsas, participação em grupos de pesquisa, atividades esportivas e outras tantas oportunidades.

O nível dos professores também faz diferença. As faculdades localizadas em cidades distantes, ou mesmo em algumas capitais, têm dificuldades em contratar docentes com pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrado ou doutorado. Ao contrário, nas grandes cidades interioranas e nas principais capitais, há grande quantidade de profissionais titulados. Isso, ao menos teoricamente, significa aulas melhores.

Outro fato de realce é o nível dos alunos. Quanto melhores forem os estudantes, melhor será o curso. Alunos bem preparados estimulam, cobram, forçam os professores a elevar o padrão do ensino. E, ainda que indiretamente, fazem com que os colegas menos estudiosos se esforcem para acompanhá-los. O que é bom passa a ser ótimo.

Mas a disparidade dos cursos não deve desestimular os estudantes de faculdades de Direito distantes dos grandes centros, ou de menor porte nas grandes cidades. O aluno que enfrenta essas e outras condições mais adversas deve tentar superar-se por conta própria. Nisso levam a vantagem de a internet ter democratizado o acesso ao conhecimento. Sites jurídicos, artigos de doutrina e jurisprudência estão ao alcance de uma tecla. Estágios, dedicação, visitas, mensagens a doutrinadores (mesmo que, em dez, só um responda) podem servir de auxílio para suprir as dificuldades.

Afinal, o fato de uma  faculdade ser bem conceituada não significa certeza de sucesso. O aluno também tem um papel decisivo na conquista de sua trilha profissional. Uma excelente faculdade de nada valerá a um aluno desmotivado, que ali está para agradar seus pais.

Finalmente, há que se registrar um fenômeno novo, o drama vivido pelos estudantes de universidades públicas. E quando a elas me refiro falo, principalmente, das federais, pois representam a quase totalidade das públicas, havendo estaduais apenas em alguns estados, como São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, e algumas municipais (por exemplo, Taubaté, em São Paulo).

Pois bem, as Faculdades de Direito das universidades federais, muito embora contem com excelentes professores e os alunos mais destacados, atraídos pela qualidade do ensino e pela gratuidade, enfrentam o problema das greves de funcionários e de docentes. Sem entrar no aspecto de serem ou não justas as reivindicações, o fato é que tais universidades, ano após ano, passam boa parte do tempo sem aulas. A reposição, por óbvio, é uma ficção, até os vestibulares atrasam.

Os alunos também têm suas reivindicações e colaboram para que o estado de normalidade fique cada vez mais distante. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), dia 31 de agosto passado estudantes ocuparam o prédio da reitoria, reivindicando auxílios para moradia, permanência, creche, alimentação e outros direitos. No dia 2 de setembro, impediram o acesso de representantes da universidade no setor financeiro, impossibilitando que fossem feitos pagamentos a fornecedores (Gazeta do Povo, 3/9/2015, p. 12).

Em um curso que concentra uma quantidade de matérias cada vez maior e que tenta, com dificuldades, transmitir todas no curto prazo de cinco anos, evidentemente esse estado de coisas faz com que boa parte das aulas fique prejudicada. Sem reposição, ainda que formalmente isso possa ser feito, com certeza os estudantes acabarão sendo prejudicados ao final do curso. Atualmente, muitos questionam as vantagens de cursar Direito em uma universidade pública.

Aí estão alguns pontos do ensino do Direito no Brasil que estão a merecer sério enfrentamento. E o primeiro passo é adotar-se maior rigor nas autorizações para novas Faculdades de Direito. Em seguida, elevar as exigências na avaliação dos cursos existentes. Finalmente, achar solução para a atual situação das universidades públicas, esse, de todos, o mais difícil.