Estilo de vida tem influência no alzheimer…

Por: Correio Braziliense

São mais de 5 milhões de pessoas sofrendo com a doença de Alzheimer, um número que, segundo estatísticas, deve triplicar nos próximos 30 anos. Enquanto os laboratórios correm contra o tempo para encontrar um medicamento capaz de enfrentar a enfermidade – algo que se mostrou infrutífero até agora -, a medicina começa a investir em uma nova abordagem, a da prevenção. Estudos publicados em revistas científicas e em eventos, como a Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, que aconteceu semana passada, em Los Angeles, mostram que, se ainda não é possível evitar essa e outras demências, o estilo de vida e os aspectos emocionais são capazes de, ao menos, retardá-las ou reduzir os riscos.

O conceito de reserva cognitiva foi desenvolvido pelo norte-americano Yaakov Stern, professor de neuropsicologia e chefe da Divisão de Neurociências Cognitivas da Universidade de Columbia, em Nova York. Não se trata de quantidade de neurônios ou de comunicações ativas entre eles. Na realidade, o termo se refere à forma como o cérebro lida com os danos, como a neurodegeneração característica do Alzheimer, fazendo compensações ou usando abordagens cognitivas preexistentes. Para formar essa reserva, Stern defende que as pessoas mantenham a mente afiada, se dedicando, por exemplo, ao aprendizado de um novo idioma ou de um instrumento musical.

“Além do aprendizado, é possível fazer a reserva por meio de treinos cognitivos, que estimulam a memória e a atenção. Falou-se na conferência que os treinos cognitivos deveriam ser inseridos nas escolas e que todos os adultos e idosos deveriam incluí-los na rotina. Tem gente que acha que jogar dominó ou fazer palavras cruzadas é uma besteira, mas são desafios para a cognição”, explica a neuropsicóloga Marcella Bianca, que atua com reabilitação cognitiva e pesquisa reserva cognitiva no Brasil, onde o conceito ainda não foi bem estudado. Ela esteve na conferência de Los Angeles, onde apresentou um trabalho de revisão bibliográfica nacional sobre o tema. Segundo a especialista, outra forma de prevenir as demências é cuidar da saúde mental. “Depressão, ansiedade e estresse estão associados à demência”, afirma.

Um dos estudos lançados na conferência e publicado simultaneamente na revista Jama, da Associação Médica Norte-Americana, encontrou evidências estatísticas de que os fatores ambientais podem ser mais determinantes que a propensão genética ao Alzheimer. A pesquisa da Universidade de Exeter, no Reino Unido, constatou que o risco de demências é 32% menor em pessoas que, embora carreguem genes associados a essas enfermidades, têm um estilo de vida saudável, comparado ao daquelas que, embora sem predisposição genética, adotam hábitos não saudáveis (sedentarismo, dieta pobre, consumo excessivo de álcool, tabagismo).

Já os participantes que, além do alto risco genético, cultivavam hábitos ruins eram quase três vezes mais propensos a desenvolver a doença, comparados aos com baixo risco e estilo de vida saudável. “Esse é o primeiro estudo a analisar até que ponto você pode compensar seu risco genético de demência vivendo com hábitos saudáveis. Nossos resultados são empolgantes, pois mostram que podemos agir para tentar compensar a genética”, observa Elzbieta Kuma, pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Exeter e coautora do estudo, que analisou dados de quase 197 mil pessoas com mais de 60 anos, acompanhadas durante oito anos. Nesse meio tempo, 1.769 desenvolveram algum tipo de demência.

A equipe dividiu os participantes em três categorias, quanto ao risco genético: alto, intermediário e baixo. Além disso, os categorizou em estilo de vida favorável, intermediário e desfavorável a partir dos autorrelatos sobre dieta, atividade física, tabagismo e consumo de álcool. “Essa pesquisa traz uma importante mensagem que reduz a visão fatalista da demência. Algumas pessoas acreditam que é inevitável desenvolver demência por causa de sua genética. Mas parece que você pode reduzir substancialmente esse risco vivendo um estilo de vida saudável”, disse, em nota, David Llewllyn, coautor do estudo e também pesquisador em Exeter.

O geriatra Jean Pierre Alencar, diretor da Associação Brasileira de Alzheimer — Regional São Paulo, diz que há outros fatores de risco modificáveis para demências, além dos quatro incluídos no estudo britânico. “Transtornos do sono, hipertensão, obesidade, diabetes, aumento dos níveis de colesterol, alterações vasculares e dano neural. Os fatores de proteção são atividades física, social, cognitiva, estímulos à educação e nutrição saudável”, enumera.

O especialista frisa que a reserva cognitiva pode ser alcançada por um  estilo de vida cognitivamente estimulante. “A participação em atividades intelectuais, sociais, físicas e de lazer contribuem para retardar ou atenuar os sintomas  ligados ao dano cerebral e reduzem o risco de demência, pois a não interação social e o isolamento diminuem a reserva, segundo estudos. Sem contar com o aumento de risco para depressão”, afirma o médico, que esteve na conferência internacional.

SINAIS VASCULARES

Um dos fatores de proteção contra demências identificados por pesquisadores é a saúde vascular, obtida por meio de exercícios físicos, dieta com baixo teor de gordura animal e prevenção de diabetes e hipertensão. Na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, o médico Berislav Zlokovic, diretor do Instituto Neurogenético Zilha, na Faculdade de Medicina Keck da Universidade de Southern California, apresentou um estudo mostrando que pessoas com danos nos vasos sanguíneos cerebrais têm maior risco de demências.

De acordo com ele, décadas antes que outras características bem estudadas de Alzheimer –  formação de placas e emaranhados de proteínas – se manifestem, os capilares defeituosos já podem ser visualizados em exames de imagem. Em entrevista ao Correio, Zlokovic insiste na adoção de hábitos saudáveis como forma de prevenção das demências. “A saúde dos vasos sanguíneos parece ser a chave para prevenir esse tipo de dano que estou investigando. Não é a mesma coisa de ter um medicamento, mas pode incentivar as pessoas a comer melhor, se exercitar, socializar e minimizar o estresse.”