Em vídeos viralizados na noite de quarta-feira (8), apoiadores do presidente Jair Bolsonaro comemoraram a suposta declaração de um estado de sítio no Brasil.
Mas o mandatário não tomou essa medida e nem poderia tê-lo feito sozinho, segundo explicaram especialistas à AFP.
O conteúdo ganhou força após o presidente dizer, em discurso em uma das manifestações de 7 de Setembro, que se reuniria no dia seguinte com o Conselho da República, órgão que deve ser consultado para a declaração de estado de sítio.
No entanto, após o pronunciamento, interlocutores do governo garantiram que Bolsonaro havia se “equivocado”. Porém, mesmo que o Conselho da República tivesse sido convocado, isso não resultaria automaticamente na declaração de estado de sítio.
O que é o estado de sítio? O estado de sítio é uma das três medidas excepcionais estabelecidas para “retomar a normalidade constitucional”, resumiu o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gustavo Sampaio.
As outras duas são a intervenção federal e o estado de defesa. “A medida mais grave de todas é o estado de sítio”, avaliou Sampaio.
Por isso, durante sua vigência, são permitidas algumas ações excepcionais detalhadas na Constituição. Entre elas, estão: “a obrigação de permanência em localidade determinada, a detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns e restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa”.
Também pode ser suspensa a liberdade de reunião e determinada a busca e apreensão em domicílio, a intervenção em empresas de serviços públicos e a requisição de bens.
“A lógica do estado de sítio é uma lógica de situação excepcional na vida do estado de direito, em que se permite excepcionalmente a restrição a alguns direitos fundamentais, tudo com o objetivo específico de superar aquela situação”, resumiu à AFP o professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Wallace Corbo.
Quando pode ser decretado? A medida pode ser tomada em três situações: em resposta a uma “comoção grave de repercussão nacional”, em caso de declaração de estado de guerra ou quando já foi decretado o estado de defesa sem que tenham sido solucionadas as questões que desencadearam sua determinação.
Para Sampaio, nenhuma dessas condições foi atingida atualmente. “Nós não temos nem grave comoção nacional para repercutir no sentido da decretação de estado de sítio, e nem estado de defesa em curso que possa ser convertido em estado de sítio. Não temos nenhuma hipótese material hoje de estado de sítio em voga”, opinou.
Como pode ser decretado? Mesmo assim, se o presidente tivesse a intenção de decretar estado de sítio, ele não poderia tê-lo feito sozinho.
Primeiro, ele precisaria convocar tanto o Conselho da República quanto o Conselho de Defesa Nacional para debater o tema, como determinado no artigo 137 da Constituição.
Após a reunião, os conselhos – formados pelo vice-presidente, por líderes da Câmara e do Senado e por diferentes ministros do governo – emitem um parecer a favor ou contra a medida.
O presidente não é obrigado a seguir essa recomendação: “Os conselhos podem até emitir um parecer contrário e, ainda assim, o presidente decretar o estado de sítio, porque os conselhos são meramente opinativos. Mas a Constituição diz que o presidente não pode decretar o estado de sítio sem antes ouvir os conselhos”, explicou Sampaio.
Apenas após ouvir esses grupos, o presidente poderia encaminhar um pedido de declaração de estado de sítio ao Congresso.
“E, no caso do Congresso Nacional, a autorização é vinculante. Se o Congresso Nacional negar autorização, o presidente não pode decretar estado de sítio”, acrescentou o professor da UFF.
Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado negaram à AFP, na quinta-feira (9), terem recebido, até o momento, qualquer pedido para declaração de estado de sítio.
O professor Wallace Corbo resumiu: “Qualquer informação no sentido de que o presidente decretou estado de sítio é uma informação falsa, porque a nossa Constituição não permite ao presidente por si só decretar estado de sítio”.
“O presidente da República pode tão somente solicitar ao Congresso Nacional uma autorização para decretar estado de sítio, e o Congresso Nacional vai permanecer em funcionamento, inclusive, para fiscalizar se esse estado de sítio foi executado completamente pelo presidente”, finalizou.