Em mais um gesto que frustrou o governo Jair Bolsonaro, os EUA negaram a abertura de seu mercado para a carne bovina in natura do Brasil, pleito que estava incluído nas negociações de uma parceria estratégica acertada com o presidente Donald Trump.
A decisão dos EUA é resultado de uma inspeção técnica liderada pelo Departamento de Agricultura no Brasil, cujo relatório foi disponibilizado para o governo brasileiro na quinta-feira (30).
Nele, segundo pessoas com conhecimento do documento, os americanos solicitaram informações adicionais ao governo Bolsonaro e estabeleceram que uma nova inspeção sobre a qualidade da carne deverá ser realizada no Brasil.
Só depois -dizem os americanos- haverá a possibilidade de as barreiras contra a carne brasileira naquele país serem levantadas.
De acordo com interlocutores no governo, isso pode atrasar a abertura do mercado norte-americano em cerca de um ano.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ficou decepcionada com o teor do relatório por considerar que todas as informações solicitadas pelos EUA tinham sido esclarecidas. Não haveria, portanto, necessidade de agendamento de um nova missão ao país.
Tereza Cristina deve embarcar com uma comitiva para os EUA no dia 17.
A viagem já estava agendada, mas a ministra deve aproveitar a programação naquele país para expressar seu incômodo ao Secretário de Agricultura, Sonny Perdue.
“Vamos tratar disso pessoalmente nos EUA, com quem temos um bom relacionamento”, disse a ministra à reportagem.
Os EUA suspenderam a compra de carne bovina in natura do Brasil em meados de 2017, na esteira da operação Carne Fraca, que revelou um esquema de adulteração do produto vendido no mercado interno e externo com atestados de qualidade obtidos mediante corrupção de funcionários do governo.
Desde então, o governo brasileiro vem tentando a reabertura desse mercado -um esforço que sempre encontrou resistência dos produtores americanos de proteína animal.
Em 2016, o Brasil exportou US$ 284 milhões de carne bovina in natura aos EUA, o que representou cerca de 5% das vendas brasileiras desse produto ao exterior. O país era o sexto maior comprador do Brasil. No ano seguinte, foram US$ 292 milhões.
A expectativa do governo Bolsonaro era que a proximidade com Trump e concessões feitas a Washington ajudassem na liberação das exportações de carne bovina.
Até o momento, só houve concessões pelo lado brasileiro como a abertura de uma cota para a importação de trigo dos EUA.
Em março, em visita à Casa Branca, Bolsonaro acertou com Trump que o Brasil permitiria a importação de até 750 mil toneladas de trigo dos EUA com tarifa zero.
Na declaração conjunta, em razão da visita oficial de Bolsonaro a Washington, os dois presidentes afirmam que os EUA concordaram “em agendar uma visita técnica do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para auditar o sistema de inspeção de carne bovina do país”.
A visita do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar ocorreu em meados deste ano. Antes da conclusão do relatório, os norte-americanos solicitaram ainda informações adicionais ao Brasil, que foram enviadas.
Interlocutores no governo que seguem o assunto de perto relataram à reportagem que os norte-americanos se incomodaram com carnes brasileiras que tinham abcessos, causados pela vacinação contra a febre aftosa.
Essa foi uma das razões da decepção com o relatório da semana passada, uma vez que, de acordo com esses interlocutores do governo brasileiro, a presença desses abcessos não torna a carne imprópria para consumo, afetando apenas o aspecto visual do produto.
O porta-voz da Presidência República, general Otávio Rêgo Barros, disse nesta segunda-feira (4) que a expectativa do governo era que as exportações fossem retomadas. “A nossa expectativa é de que esse veto não se mantivesse”, disse.
“Uma futura ou próxima inspeção, nós não sabemos exatamente o tempo, mas temos todas as capacidades. Já as apresentamos aos nossos interlocutores e a expectativa é que muito pronto esse mercado esteja aberto igualmente como tantos outros à carne brasileira”, acrescentou.
Em setembro, o Brasil decidiu também aumentar em 150 milhões de litros o limite para importação de etanol dos EUA com isenção de tarifa.
Entre as medidas que os EUA tinham prometido ao Brasil como contrapartida estava o apoio ao ingresso do país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
No entanto, uma carta do Secretário de Estado, Mike Pompeo, divulgada em outubro, defendendo a entrada apenas da Argentina e Romênia, causou mal-estar em Brasília. O incômodo fez com que Pompeo fosse ao Twitter e reafirmasse o endosso à candidatura do Brasil como membro do chamado clube dos países ricos.
Também entrou nas negociações com Trump a mudança na lei da TV paga para permitir que a compra da WarnerMedia pela gigante AT&T se concretizasse. O negócio de US$ 85 bilhões envolveu 17 países e a União Europeia e só aguarda a aprovação das autoridades brasileiras para ser finalizado.
O pedido foi encampado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que contava com isso para reforçar sua indicação à Embaixada do Brasil nos EUA. Eduardo visitou até os conselheiros e o presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) pressionando pelo negócio. A lei vigente veta que uma operadora de telecomunicações detenha o controle de uma empresa de mídia.
O assunto está no Congresso aguardando um acordo entre o governo, empresas e os parlamentares. (FolhaPress)