Eleições 2024: Por mais poder à direita, União Brasil sacramenta fim da era Bivar

Fruto da fusão entre PSL e Democratas, o União Brasil nunca fez jus ao nome, rachado por alas e vertentes as mais variadas desde que despontou na paisagem de Brasília, em 2021. Nos últimos tempos, a sigla, dona da terceira maior bancada da Câmara dos Deputados, com 59 parlamentares, e do mais polpudo quinhão do fundo partidário (cerca de 1 bilhão de reais), vem revelando suas fissuras de forma mais acentuada do que nunca. Ao mesmo tempo em que dá guarida a ferrenhos opositores do governo Lula, como o casal Sergio e Rosângela Moro, o partido compõe a Esplanada, à frente das pastas das Comunicações, do Turismo e, de forma indireta, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, nas mãos de Waldez Góes, que, embora do PDT, foi indicado por Davi Alcolumbre, um dos caciques da agremiação.
Essas costuras, ora de um lado do ringue, ora do outro, são hoje vistas pelas altas lideranças do União Brasil como pouco efetivas — um “varejinho” que, segundo quadros de peso da legenda, acaba por facilitar o jogo para o Planalto. Para essa turma, que quer ganhar poder de barganha, o caminho passa pela troca da presidência do União, um processo em pleno vapor que se oficializará nos próximos dias. Ávida por maior protagonismo e com a atenção voltada para os arranjos que miram o pleito municipal de 2024, a fatia egressa do antigo Democratas já comunicou ao atual presidente, o deputado federal Luciano Bivar (ex PSL), que seu mandato será abreviado em três meses, encerrando-se em fevereiro do ano que vem.
De acordo com cinco membros da cúpula ouvidos pela reportagem, a Executiva se reunirá em Brasília, em 20 de novembro, para informar a todos sobre os próximos passos — um roteiro em que Bivar, dono do comando do partido desde o marco zero, passará o leme para o advogado pernambucano Antonio de Rueda, vice-­presidente nacional da sigla e seu pupilo, a quem introduziu os labirintos da política. Longe dos holofotes, Rueda se mexeu no intrincado tabuleiro para isolar o padrinho, que não irá nem apresentar candidatura e não esconde sua mágoa. “Tenho certeza de que o partido sairá pacificado”, contemporizou Rueda a VEJA.
A irritação em torno da gestão de Bivar foi escalando com episódios como o de uma tentativa dele de se apoderar do diretório do Amazonas, instalando ali nomes de seu agrado, sem consultar os demais. “Isso acabou acendendo um sinal de alerta. Ele toma decisões monocráticas, passando ao largo das regras do estatuto”, dispara o governador Ronaldo Caiado (GO), que arquitetou a saída de Bivar ao lado dos deputados Mendonça Filho (PE) e Elmar Nascimento (BA), do senador Alcolumbre (AP) e do ex-prefeito de Salvador, ACM Neto — um dos principais articuladores da mudança, que travou com o presidente do partido conversa carregada de farpas. “O ACM Neto foi recebido com os quatro pés por Bivar, de forma grosseira, desrespeitosa e inadmissível”, dispara Caiado.
Aos 48 anos, Antonio de Rueda, habilidoso nos bastidores do poder, nunca concorreu em uma eleição. Porém, traçou um plano: oficializará residência no Rio de Janeiro para se lançar deputado federal pelo estado em 2026. Falta chão, mas ele já pôs um freio na agenda de advogado para rodar os diretórios na caça por apoio. Fez algo semelhante em 2022. Àquela época, cruzou o país movendo as engrenagens da campanha de duas dezenas de deputados, bem-sucedidos nas urnas graças à sua distribuição de verbas. A chave do cofre fica sob sua administração — a irmã (e sócia) Maria Emília é quem toca a tesouraria do partido. O ingresso no mundo de Brasília ele deve a Bivar, que conheceu quando havia recém saído da faculdade, aos 23 anos. O presidente do União, que sempre atuou na área de seguros e possui patrimônio declarado de 14 milhões de reais, foi um dos responsáveis por dar o empurrão inicial ao escritório de direito securitário de Rueda, do qual segue cliente — atualmente um dos maiores do país, com filiais em 14 capitais. O elo teria garantido ao dirigente partidário o direito de instalar pessoas próximas nos Detrans de diversos estados e na Superintendência de Seguros Privados, a Susep. Rueda nega.
Na reunião do dia 20, o União Brasil planeja firmar uma posição mais clara e coesa na relação com o governo e nos assuntos que dominam a pauta do Congresso. Serão enfatizados pontos que os distanciam da gestão petista — o partido irá esclarecer que é contra qualquer tipo de aumento de impostos e que defende um ajuste fiscal mais radical do que o proposto por Lula. Também se manifestará sobre temas identitários, parte do leque da agenda progressista, frisando que eles não contarão com o apoio da sigla. São diretrizes que, em seu conjunto, miram alianças e composições para o pleito de 2024. “Bolsonaro estará menor e a tendência é seguir perdendo força. Surge então um espaço que tem de ser ocupado, e essa é nossa meta”, afirma uma liderança, que procura, evidentemente, manter canal aberto com o governo.
Quem assiste de perto às movimentações de Rueda diz que ele quer erguer algo como um “rejuvenescido MDB” — partido que, ao longo da história, se posicionou como um fiel da balança na relação do Congresso qualquer que fosse o governo. Trivial não é. “Embora até supere hoje o MDB na Câmara, a sigla não passa a confiança que a credenciaria ao papel de garantidor da governabilidade”, avalia o cientista político Pedro Henrique Marques, do Centro de Estudos do Comportamento Político da UFMG. Rueda e aliados tentam amainar os ânimos, naturalmente acirrados com a iminência de uma tomada interna de poder. Por ora, o partido ainda está mais para Desunião Brasil.
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