A Câmara deverá retomar suas atividades logo depois do primeiro turno eleitoral. Na pauta do plenário, destaca-se a votação, em regime de urgência, de um projeto de lei complementar (PLP 137/2015) que libera a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios.
Essa proposta já obteve aval do Senado. Ela abre a possibilidade de criação de mais de quatro centenas de novos municípios em todo o país. Iniciativas assim deixam a impressão de que os parlamentares vivem numa realidade própria, muito além da imaginação dos cidadãos que lhes pagam os salários.
Abstraem, por exemplo, o fato de o Brasil estar completando o quinto ano seguido de uma inédita recessão econômica. Ou ainda, que um terço dos 5,5 mil municípios não gera receita suficiente nem para pagar salário de prefeitos, vereadores e secretários, como mostra estudo recente da Firjan.
Isso está acontecendo em 1.872 cidades. Elas dependem, fundamentalmente, das transferências de recursos dos estados e da União para pagar as contas, sempre crescentes, do funcionamento da máquina pública.
Inúmeros municípios nasceram depois da promulgação da Constituição, em 1988, que aplainou o caminho dos movimentos emancipacionistas. A ilusão fiscal continua.
Em geral, o que há por trás disso é o interesse de políticos locais na criação do próprio distrito eleitoral, com estrutura burocrática e autonomia na gerência dos recursos recebidos por transferências constitucionais, realizadas pelos governos estadual e federal.
Sob impacto da recessão econômica, alguns governos estaduais têm atrasado os repasses às prefeituras, expondo a fragilidade de muitas administrações municipais. Em Minas Gerais, o governo estadual chegou a acumular R$ 3 bilhões em atrasos nas transferências. Prefeitos ameaçaram suspender a prestação de serviços básicos, como coleta de lixo, recorreram à Justiça e também à Assembleia Legislativa, que iniciou um processo de impeachment do governador, logo interrompido.
Outro aspecto importante do problema é a gradual atrofia das administrações municipais financeiramente autossustentáveis. A Constituição de 1988 impôs uma série de novas obrigações às prefeituras, que não receberam aumento proporcional de recursos.
Da receita tributária nacional, a União fica com cerca da metade, os estados, com 31%, e os municípios, com os 19% restantes, segundo a Confederação Nacional de Municípios.
Em lugar de promover a proliferação de novos municípios, que já nasceriam falidos e sem perspectiva real de autonomia financeira, o Congresso deveria concentrar energias em tarefa mais urgente, relevante e de interesse coletivo: a reforma tributária. (O Globo – EDITORIAL)