O discurso homérico de 55 minutos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no início da tarde deste sábado (7), pouco antes de ele se entregar à Polícia Federal (7) para cumprimento da sentença de 12 anos e um mês de prisão, já é visto pelos analistas como um fato inusitado e histórico. Alguns consideram o gesto político, diante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, o mais importante desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Outros frisam o tom de despedida, apresentando para o eleitorado de esquerda os candidatos à Presidência do próprio PT, do PSOL e do PCdoB, que devem tocar o seu legado.
Discurso de Lula na íntegra: confira o texto e o vídeo Desde a quarta-feira (4) em que foi negado, na Suprema Corte, o habeas corpus preventivo que evitaria essa prisão do líder petista, já era visível o abatimento dos eleitores de esquerda diante do revés sofrido por Lula. Logo, quando o juiz federal Sérgio Moro decretou a prisão de imediato, dando apenas um prazo de 24 horas, atrapalhou a mobilização dos movimentos sociais e dos partidos para saudar o ex-presidente no ato de sua detenção. Mas os gestos da quinta pra cá se desenharam no sentido de correr contra o tempo e mexer com a autoestima da militância.
O tom do discurso, relembra o cientista político Elton Gomes, foi o mesmo desde que o ex-presidente começou a se tornar réu no processo de do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. “Ele desqualifica a acusação, diz que não existem provas concretas, diz que aprova a Lava Jato, mas é inocente. Depois faz uma digressão para a defesa do seu legado histórico desde a luta sindical”, relata. “Teve um tom confronto à mídia nacional, num primeiro momento, e de ataque ao Judiciário, livrando apenas o STF, porque causaria um efeito negativo à figura dele. Fica claro o tom desafiador quando ele diz, por exemplo, que o juiz e o Ministério Público mentem (buscando um tom conspiratório)”, compreende.
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Estratégia
Ficou visível a habilidade do petista como negociador e um certo acovardamento das autoridades públicas no cerco. “A militância vinha se frustrando com os sucessivos fracassos na Justiça. Mas Lula é um líder carismático, o PT depende demasiado dele. Por isso, ele optou, como fazia na luta sindical, em falar grosso para a militância e, diante das autoridades do Judiciário, revezava entre falar grosso e falar fino, com a ajuda da sua caríssima banca de advogados”, avaliou Elton. “Falando grosso no palanque, ele remete ao líder sindical, ao Lula identificado com as causas sociais e não o Lula que deu certo, o pragmático, que fez alianças com o PMDB e governou o País por oito anos”, observou.
Essa capacidade de spensar os atos político, na visão do cientista político Rudá Ricci, ficou clara quando, mesmo sofrendo um revés, Lula deixou a imprensa falando sobre ele durante dois dias sem parar. “A imagem que fica é o Lula nos braços do povo. Ele não criou um ato de desobediência civil, ele desautorizou o Moro. Não vai entrar na cadeia de cabeça baixa, conseguiu transformar o limão numa limonada, com esse sentimento de empatia pelo sofrimento. Agora se isso vai significar uma mudança de rumo na militância, só o tempo vai dizer”, refletiu.
Lula nos braços do povo durante ato em São Bernardo – Foto: Ricardo Stuckert / Divulgação
A necessidade de manter unida a militância, para Elton Gomes, se deve ao período de corrosão que a sua imagem pública vai sofrer. O discurso tenta enfrentar o risco de comprometer a transferência de votos, tanto para um herdeiro petista (com a preferência do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad) quanto para os pré-candidatos Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), que têm o “selo esquerdista” atestado pelo próprio Lula no palanque. “Ele está construindo uma cerca ao redor do percentual que ele já tem, na casa dos 20% a 30%, e que garantiria a ida ao segundo turno para quem fosse ungido”, aponta.
Esse período da prisão, onde se previa o esfacelamento da mobilização de esquerda, pode, na verdade, fornecer munição ideológica para a corrida eleitoral. “O segundo momento é em agosto, quando a campanha começar. Lula deverá escolher um porta-voz do seu pensamento, para não dispersar a comunicação, e buscará se consolidar como liderança. O terceiro momento seria, entre 2019 e 2020, se prevalecer a previsão de que ele será solto em até dois anos. Lula pode tanto submergir, como fez José Dirceu, quanto vencer o ostracismo e aí estaria consolidada a visão do ‘preso político’ que ele tenta construir”, reflete Rudá Ricci.
Assista ao discurso de Lula em São Bernardo:
Blog da Folha – Ulysses Gadêlha