Diabetes e outros problemas surgem como sequelas de longo prazo da Covid

FolhaPress

No bairro onde trabalha como cabeleireira em Anápolis, no interior de Goiás, Kenia Silva, 42, começou a ver mais e mais pessoas chegando ao salão com queda de cabelo. “Só ontem eu atendi duas, mãe e filha, com o cabelo caindo bastante”, conta.

Mas ela passou a notar que seu próprio cabelo começou a cair. E também o do seu filho, Pablo. Os dois, assim como alguns de seus clientes, tiveram Covid no ano passado.

Na época da infecção, em julho, foram os sintomas já conhecidos: falta de ar, tosse, dor de cabeça, fraqueza. Meses depois é que veio a queda de cabelo.

Mas não só. “Raciocínio. Tem uma hora que dá um apagão. Por exemplo, um caminho que eu tô acostumada a fazer todos os dias, aí eu saio de casa e penso: ‘para onde eu vou?’, ou uma senha que eu uso sempre e de repente dá um branco”, conta.

Além disso, tem também até hoje, meses depois de curada, olfato e paladar “trocados”. “Isso acontece com alguns perfumes. Algumas pessoas começaram a ter um cheiro que eu não conhecia, nunca tinha sentido antes, forte, que me incomoda muito. E às vezes eu estou fazendo comida e vem um cheiro muito estranho”, diz.

Seu filho, Pablo Henrique de Souza, 18, se assustou com os sintomas que continuam aparecendo. À época da infecção, no fim de junho, ele teve coriza, dores, cansaço e febre.

“O cansaço ainda durou um bom tempo, pelo menos três semanas depois do que os outros sintomas passaram. Agora, de um, dois meses para cá, comecei a perceber queda de cabelo. É bem notável. Não tem nada a ver com calvície, é outra coisa, você percebe a diferença”, diz. “Eu fico preocupado. Até quando vai cair? E para minha mãe é mais difícil, que é mulher”.

Pouco mais de um ano após as primeiras infecções detectadas do Sars-CoV-2, nome oficial deste coronavírus, na China, pesquisadores do mundo inteiro se debruçam para entender melhor os efeitos da Covid-19 a longo prazo e possíveis sequelas da doença.

Uma dessas pesquisas acontece justamente em Wuhan, cidade chinesa onde aconteceu o primeiro surto da doença.
Artigo publicado em janeiro na revista científica Lancet por pesquisadores chineses analisou os sintomas de 1.733 pacientes que se trataram no hospital Jin Yin-tan em Wuhan entre 7 de janeiro e 29 de maio de 2020.
Seis meses após a doença, a maior parte dos infectados apresentou fadiga e fraqueza muscular (63% deles) e dificuldade para dormir (26%).

Já 22% relataram queda de cabelo e 11% relataram alterações no olfato. Além disso, os pacientes também relataram palpitações, dores no joelho, perda de apetite, alterações no paladar, tontura, diarreia e vômitos, dor no peito, dificuldade de engolir, feridas na pele, dores no peito e dores de cabeça, tudo isso seis meses após terem sido infectados. E 76% deles tiveram pelo menos algum desses sintomas.

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo americano, os sintomas persistentes mais comuns são fadiga, falta de ar, tosse e dor no peito.

Outros estudos sugerem problemas ainda mais sérios. Artigo publicado em novembro na revista Diabetes, Obesity and Metabolism analisa casos de pacientes com Covid-19 que adquiram diabetes (justamente um dos fatores de risco para a doença).

De oito estudos analisados pelo artigo, que somam 3.711 pacientes, 14,4% foram diagnosticados recentemente com diabetes. “Estamos vendo agora um clássico exemplo de intersecção letal entre uma doença comunicável [transmitida de um hospedeiro a outro] e uma doença não comunicável”, dizem os autores.

Um desafio dos cientistas hoje é diferenciar quais sintomas são provocados pelo vírus em si, quais ocorrem por inflamações provocadas pela Covid e quais são consequência do tratamento e medicamentos que os pacientes tomam, explica Ediléia Bagatin, professora da Unifesp e coordenadora do departamento de cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Segundo ela, a queda de cabelo, citada por um quinto dos pacientes do estudo chinês e também relatada pela família de Anápolis, é comum em infecções.

“Isso costuma ocorrer até três meses depois de qualquer infecção, não é específico da Covid. O couro cabeludo é uma região bastante vascularizada, tem muita circulação sanguínea. Quando você corta a cabeça, todo mundo sabe, sangra muito. Em uma infecção, você tem uma substância circulando no sangue que desencadeia uma inflamação. Isso ativa uma resposta imunológica, que afeta a raiz do cabelo e altera o ciclo capilar”, diz.

“Outro motivo pode ser o próprio estresse que essas infecções geram. O folículo piloso, onde se produz o cabelo, também tem receptores de muitas substâncias que são produzidas no nosso cérebro e que são afetadas pelo estresse.”
Para a queda de cabelo, Bagatin diz que não é preciso se preocupar, porque ele costuma crescer totalmente depois de um tempo –com exceção de pessoas mais velhas.

Outra manifestação vista em consultórios têm sido vermelhidão e erupções na pele, parecidas com as do sarampo e da rubéola, diz ela, nas extremidades do corpo. “Ainda não sabemos se são resultantes diretamente do vírus, da resposta imune que o corpo dá ou de medicamentos que o indivíduo toma”, diz.

Em geral, são coisas que podem ser revertidas, exceto quando pacientes apresentam alguma necrose na pele, que morre, e pode deixar uma cicatriz.

Sintomas apresentados 6 meses após infecção por Covid Estudo analisou 1.733 pacientes que se trataram em Wuhan entre jan. e mai.2020.

Fadiga ou fraqueza muscular: 63% Dificuldade de dormir: 26% Queda de cabelo: 22% Alteração no olfato: 11% Outros: Palpitações, dor no joelho, perda de apetite, alteração no paladar, tontura, diarreia e vômito, dor no peito, dificuldade de engolir, manchas na pele, dor muscular, dor de cabeça, febre baixa Qualquer um dos sintomas anteriores: 76% Fonte: Artigo publicado em 8.jan.21 na revista Lancet.