Thays Estarque/Do G1 PE
Fundados a partir de uma força inexplicável, da intenção de fazer críticas politicas, de reviver o frevo de rua, de um mero acidente ou até mesmo da junção de vários amigos apaixonados pela sétima arte, os blocos de rua tem um único objetivo: divertir e encantar foliões por onde passa. Democrático, é uma das brincadeiras mais reais e sinceras do que é – originalmente – a festa de Momo.
Com o período mais colorido e alegre do ano se aproximando, o G1 conta a história de cinco deles e suas curiosidades para o folião entrar frevando no fantástico mundo do carnaval.
Presidente diz que ‘profano se mistura com o religioso a todo momento’ (Foto: Thays Estarque/ G1)
Homem da Meia Noite – 1932
Com quatro metros de altura e pesado 49,5 quilos, ai de quem chamar o Homem da Meia-Noite de boneco. Para os admiradores, ele é o calunga que desfila e conquista no sábado de carnaval. Uma figura mística que é rodeado de diversas coincidências.
“A casa do Homem da Meia-Noite fica em frente a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, meu pai – presidente do bloco por 11 anos – nasceu e morreu no Dia da Consciência Negra, eu comprei uma casa na Rua do Amparo e só fui descobrir depois que o calunga saia do quintal dessa casa muito tempo depois, quando ele sai sentimos, somos tomados por uma onda de energia. São muitas coincidências que faz com que a gente acredite que tem algo maior que move esse homem gigante”, acredita Luiz Adolpho, presidente da agremiação.
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Casa do Homem da Meia-Noite fica em frente a
Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos (Foto: Thays Estarque/ G1)
O calunga é tratado como mais uma pessoa dentro da sede. Vestem e conversam com ele. “A gente tem ele como se fosse vivo”, dispara Adolpho. Ainda há duas versões que permeiam a origem do bloco. A primeira, que o nome tenha surgido do filme “Ladrão da Meia-Noite”.
A segunda – e levada com mais veracidade – é que o carpinteiro Bernadino da Silva sempre via um homem trajando fraque nas cores verde e branco, dente de ouro e cartola alta passando pelas ruas da cidade alta a partir da 0h. Um dia, resolveu segui-lo e descobriu que ele era um Dom Juan que pulava a janelas das moças.
Fundado no dia 2 de fevereiro – data destinada a Iemanjá no candomblé – os cuidados com o calunga seguem uma série de rituais. “Tem um que ocorre sempre às 18h do dia que antecede sua saída pelas ruas de Olinda que eu não posso fazer porque não bebo, que é a troca de roupa dele. Só pode tocar na roupa quem bebe porque é feito um brinde com cachaça no fim. Não posso contar as outras coisas, só posso dizer que no fim uma criança dá banho de perfume nele”, entrega o presidente.
Mesmo assim, Adolpho garante que os fiéis católicos também são apaixonados pelo Homem da Meia-Noite. “Aqui o profano se mistura com o religioso a todo momento’, completa.
Arrastando cerca de 600 mil foliões, festa conta com forte segurança (Foto: G1 PE)
O calunga sai, pontualmente, à meia-noite, percorre boa parte do Sítio Histórico de Olinda, além das ruas de baixo, e volta para a sua casa às 3h30 arrastando cerca de 500 mil foliões, segundo cálculos do presidente do bloco. Com tanta gente, registros de violência são contabilizados todo ano. “Fora o acompanhamento da Polícia Militar, temos 150 seguranças que fazem um cordão de isolamento no Homem da Meia-Noite, na orquestra e nas passistas, mas não é suficiente”, comenta Adolpho.
O presidente ainda diz que há um estudo todo ano da diretoria com a Polícia Militar para analisar um trajeto mais tranquilo para a população. “Infelizmente chegamos nesse ponto, erámos para brincar de uma forma tranquila. O bom que as pessoas de bem dão as mãos aos seguranças e juntos protegem essa festa tão bonita do nosso povo”, conclui Adolpho.
‘Eu Acho é Pouco’ vive momento de resgate da história do bloco (Foto: Heudes Regis/JC IMAGEM/AE)
Eu Acho é Pouco – 1977
O bloco, que surgiu durante a ditadura militar, já está na terceira geração. Bem organizado e com algumas regras rigorosas, a preocupação da agremiação é deixar tudo documentado para a prole.
“O bloco foi criado por nossos pais, mas eles não imaginavam no que ele se transformaria. Então não documentaram nada e esqueceram boa parte dessa história. Por exemplo, até o porquê do nome não se sabe, há várias versões, mas nenhuma oficial”, lamenta Fabiano Guerra, um dos organizadores.
Dragão é a marca da agremiação carnavalesca
(Foto: Juliana Souto/ G1)
Por isso, os integrantes da troça resolveram registrar tudo que acontece nas reuniões e nas festas. “A informação se perde se a gente não documentar. Com essa organização as próximas gerações entenderão e tocarão o bloco”, espera Guerra.
A super estrutura que é pensada pelo grupo, de 20 a 30 integrantes, ao longo do ano se reflete no carnaval. São duas festas para os adultos – uma no sábado e outra na terça de carnaval – e uma para os pequenos na segunda-feira. Isso tudo é acompanhado pela Orquestra Eu Acho é Pouco, formada por 40 instrumentistas, grupo de samba, quatro bonecos gigantes e o grande dragão vermelho – símbolo da agremiação. Com duração de três horas, o bloco tem concentração às 17h no Pátio dos Milagres, no Sítio Histórico de Olinda, e segue em cortejo pelas principais ladeias e ruas da cidade alta.
“Temos um cordão de isolamento feito por 40 seguranças. Não é segregação, o cordão só envolve a orquestra para nenhum folião se acidentar nos instrumentos. Tudo é pensado para só haver brincadeiras”, completa o organizador.
Mesmo levando em consideração o tamanho da troça, Fabiano diz que a pretensão do grupo não é se tornar um bloco gigantesco. “Ninguém é remunerado, a decisão é colegiada e tudo que a gente arrecada é para ver o bloco na rua. Não recebemos nenhum patrocínio, nem público e nem privado. A gente pensa que pode tirar esse dinheiro de quem realmente precisa”.
Galo da Madrugada surgiu da ideia de sete pessoas (Foto: Roberto Pereira/SEI)
Galo da Madrugada – 1978
Hoje, quem conhece o Galo não imagina que tudo começou com cinco familiares e dois amigos que queriam fazer um bloco para resgatar o frevo de rua. “O bloco saia na hora que o comércio abria para ir arrecadando dinheiro dos amigos comerciários. Alguém achou muito cedo e disse brincando: ‘Vamos sair às 5h? Vamos sair com o galo’”, explica Guilherme Menezes, diretor de marketing da agremiação e filho de um dos fundadores.
Guilherme conta que a troça foi aumentado numa progressão geométrica. “No primeiro ano era uma banda, no segundo duas e assim por diante. No quinto ano não dava mais para deixar a banda na rua por causa da quantidade de foliões. Foi assim que surgiram os trios elétricos. Nos anos de 1990 eram dez trios, hoje saímos com 30 e 2,5 milhões de pessoas nos acompanhando”.
Filho de fundador conta que hoje a agremiação é
quase uma religião para o povo (Foto: Divulgação)
O diretor de marketing ainda confessa que o tamanho da festa é tão grande que o folião não consegue mais desfilar atrás dos trios. “As pessoas ficam paradas e o trio que passa por elas. Não tem espaço mais. Para você ter ideia, é dia que o metrô do Recife recebe mais passageiros, são 600 mil no sistema metroviário, quando o número diário não passa de 180 mil”.
Apesar da proporção que o Galo tomou ao longos dos anos, Guilherme confessa que, pela família, ele cresceria ainda mais. “Nós temos um acordo com os órgãos públicos para permanecer com 30 trios, pelo menos, pelos próximos anos. A cidade não comporta mais pessoas ali e temos que pensar na segurança do povo, mas querer a gente quer”, diz ao concluir que não existe rixa com o bloco carioca Bola Preta para ver quem atrai mais folião para as ruas. “Já virou uma brincadeira. Nós até queremos que toda cidade tenha uma festa como o Galo. O nosso bloco é quase uma religião do povo”.
Nesse ano, o Galo da Madrugada – que sempre sai no sábado de Zé Pereira – está homenagenado Chico Science e o movimento Maguebeat com quatro carros alegóricos com a temática.