Ao mesmo tempo que os números da violência se mantêm altos, os problemas na área da segurança pública se agravam em Pernambuco. Um levantamento aponta que as delegacias de 56 cidades – todas no interior – estão sem delegados titulares para comandarem as investigações de crimes. Além disso, 16 municípios não contam com escrivães – profissionais fundamentais no andamento dos inquéritos.
Os dados são da Associação dos Delegados de Polícia de Pernambuco (Adeppe), que vê com bastante preocupação o déficit de profissionais da segurança e, consequentemente, o atraso das investigações para punir quem pratica crime no Estado.
“Sem dúvida, é sinônimo de impunidade. Com todo respeito aos demais atores do sistema de justiça criminal, sem delegado de polícia na cidade há uma deficiência na investigação e punição de infratores”, afirma o delegado Diogo Victor, vice-presidente da Adeppe.
Nos cinco primeiros meses do ano, 1.525 mortes violentas foram somadas pela polícia em Pernambuco. Uma média de dez ocorrências por dia. Além disso, 54,7% desses crimes contra a vida foram registrados no interior – o que demonstra a necessidade de uma maior atenção do governo estadual. Há uma migração de facções especializadas no tráfico de drogas para municípios afastados da Região Metropolitana, por causa justamente do menor policiamento.
Diogo Victor cita outros problemas que são resultado da falta de pelo menos um delegado em cada cidade. “Além de atraso (nas investigações), perda de material probatório, falta de análise criminal de pontos quentes de maneira macro e, sobretudo, falta de operações de inteligência e operações de repressão qualificada fundamentais para diminuição da criminalidade.”
O déficit de profissionais não é novidade em Pernambuco. Mesmo no auge do programa Pacto pela Vida, entre os anos de 2010 e 2013, algumas cidades do interior não contavam com delegados titulares. Nos anos seguintes a situação não mudou – mesmo com concurso público realizado no governo Paulo Câmara em 2018. Afinal, praticamente os novos profissionais só supriram as vagas daqueles que estavam se aposentando ou assumindo outros cargos chefias.
Por causa disso, há profissionais que estão cuidando de duas, três ou até quatro cidades ao mesmo tempo. O experiente delegado Guilherme Mesquita, titular de Vitória de Santo Antão, na Mata Norte do Estado, é um deles. A morte da personal trainer Myrella Barbosa, de 25 anos, que pode ter sido vítima de feminicídio, está sendo investigada por Mesquita, porque o município de Chã de Alegria, onde ocorreu o fato no começo de junho, não tem delegado titular.
A sobrecarga de trabalho desses profissionais, na avaliação da Adeppe, prejudica também a qualidade das investigações.
“Muita sobrecarga deságua numa investigação com carência de lastro probatório para condenação. Com raras exceções, a desigualdade social, desemprego, até mesmo de iluminação pública são fatores de aumento de criminalidade, que devem ser analisados pelo delegado com sua equipe para atuar de maneira mais eficaz sempre norteado pela excelência da prova produzida”, destaca o delegado Diogo Victor.
Além dos crimes contra a vida, os roubos também precisam ser combatidos com mais eficiência em Pernambuco. Entre janeiro e maio deste ano, 21.916 boletins de ocorrência foram registrados. Desse total, 28,3% foram em cidades do interior. No mesmo período de 2022, a polícia somou 21.652 roubos.
Vale lembrar, também, que a população dessas cidades encontra dificuldade para prestar queixa, pois a maioria das delegacias só funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Ao mesmo tempo, desde maio, não é mais possível registrar esse crime pela internet.
Falta de escrivães também prejudica investigações
O levantamento da Adeppe também revela que 16 cidades do interior de Pernambuco não contam com escrivães da Polícia Civil, o que resulta ainda mais na demora do andamento das investigações de combate aos crimes.
“O escrivão de polícia é fundamental porque ele faz um serviço de formalização das investigações, de toda dinâmica da investigação. Muitas vezes as atividades dele se confundem com as atribuições dos delegados. A ausência desse profissional é uma interrupção gigantesca naquilo que é formalizado nas investigações e, consequentemente, um empecilho, um atraso, no encaminhamento do inquérito para a Justiça”, explica Rafael Cavalcanti, presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE).
Segundo Cavalcanti, uma média de 95% dos crimes ficam sob investigação da Polícia Civil. Os outros 5% são desvendados em flagrantes da Polícia Militar. “A ausência de delegado titulares, de escrivães, de comissários, é um retrato e um raio-x do atraso nas investigação dos crimes em Pernambuco”, afirma.
“Tudo que é produzido em termos de investigação, tudo que é solicitado em termos de provas e tudo que é apreendido fica a cargo do escrivão. É ele quem formaliza e coloca dentro do inquérito. Por isso, a gente vê que é uma das ausências mais sentidas na delegacia.”
Cobrança por concursos públicos
Quase um ano após o então governador Paulo Câmara anunciar um concurso público para diminuir o déficit no efeito das polícias Civil, Militar e Científica, além do Corpo de Bombeiros, a medida não seguiu adiante. E ainda não há data para que a governadora Raquel Lyra faça um novo pronunciamento, com a liberação de vagas.
A expectativa era para o mês de abril, quando o programa Juntos pela Segurança, em substituição ao Pacto pela Vida, seria lançado. Mas nem mesmo esse anúncio das novas ações de combate à violência foi feito – o que tem gerado críticas de entidades e de deputados estaduais da oposição.
O Pacto pela Vida foi lançado pouco mais de quatro meses após o início do governo Eduardo Campos, em 2007. Já a gestão Raquel Lyra está prestes a completar um semestre e ainda não tem programa de segurança pública.
A cobrança por novos concursos leva em consideração o atual déficit de policiais, mas também a previsão de aposentadoria de mais profissionais nos próximos meses. Na Polícia Militar, por exemplo, há pouco mais de 16 mil profissionais na ativa, mas o ideal seria ter ao menos 27 mil.
As seleções são divididas em várias etapas e ainda há o curso de formação para os aprovados. Na prática, os novos profissionais só devem estar aptos a atuar – na melhor das hipóteses – a partir do segundo semestre de 2024 ou em 2025.
O que diz a Secretaria de Defesa Social?
Questionada pela coluna Segurança sobre a falta de delegados e escrivães no interior de Pernambuco, a Secretaria de defesa Social (SDS) se pronunciou por meio de nota oficial.
A pasta informou que “por questões estratégicas de segurança não divulgamos o efetivo por unidades policiais”.
“Quanto ao déficit citado, a Secretaria de Defesa Social e a Polícia Civil, enquanto não ocorre o lançamento de concurso público, estão estudando formas de minorar a carência de efetivo nas delegacias”, argumentou a pasta.
As informações são do Jornal do Commercio.
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