Folha de Pernambuco
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Nunes Marques de liberar o funcionamento de missas e cultos, em decisão individual, gerou controvérsias internas na Corte. A decisão motivou a cobrança de outros ministros e a avaliação geral é de que a decisão monocrática foi na contramão do entendimento firmado pela corte de que prefeitos e governadores podem determinar medidas restritivas durante a pandemia.
Ainda ontem, foi a vez do ministro do Supremo Gilmar Mendes manter o veto a cultos religiosos presenciais no estado de São Paulo. Ele negou ação do Partido Social Democrático (PSD) que argumentava que o decreto baixado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), proibindo celebrações com presença do público era inconstitucional por ferir a liberdade religiosa. Mendes também enviou o caso ao plenário do STF para que o conjunto dos ministros examine o tema “com urgência”. O presidente da Corte, Luiz Fux, já pautou o debate para amanhã.
O clima de divisão da Corte tende a ser aprofundado a partir de declarações do próprio Nunes Marques ao canal CNN, ontem. O magistrado afirmou que é “hipocrisia” fechar templos enquanto outras atividades continuam abertas país afora. “Momento é mais de bom senso e não de hipocrisia. Tem muita hipocrisia. Distrito Federal, dentre outros estados e municípios, tem academias e restaurantes abertos porque se avaliou que seriam essenciais nesta pandemia. E tem muitas atividades funcionando”, disse.
A decisão de Nunes intensificou o clima de insegurança jurídica para governadores e prefeitos no enfrentamento da pandemia. A determinação do ministro contraria um veredito do próprio STF dada em abril de 2020 sobre o assunto. Na ocasião, a Corte decidiu que prefeitos e governadores têm melhor conhecimento da realidade local e a palavra deles prevalece em relação à do governo federal na permissão para serviços funcionarem.
O cientista político Elton Gomes admite que a determinação pode causar instabilidade jurídica. “Você tem uma suprema corte que já está acostumada a interferir e passa a interferir agora com decisões monocráticas. Se você ver as duas últimas decisões da pandemia, foram decisões colegiadas que determinam que os governadores têm autoridade para tomar medidas sanitárias restritivas, mas agora foi decisão de apenas um ministro. Acaba havendo uma disputa entre os ministros para saber qual a palavra final que prevalece”, conclui Gomes.
O cientista político Antônio Lucena também afirma que as constantes movimentações no STF causam insegurança. “É um ministro do Supremo que está desrespeitando uma coisa que já foi discutida no plenário. Então, é algo complicado e não era nem para ele acatar. Inclusive, a autoridade que impetrou essa solicitação (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), ela não tem autoridade para fazer isso”, disse Lucena. “Tem método em todo esse processo. Inclusive Bolsonaro colocou no seu Twitter essa decisão de Kássio Marques. É uma espécie de medida de dizer o seguinte: eu me preocupo com você, com a celebração religiosa, eu acredito que é serviço essencial, entre uma série de outras coisas, mesmo ele sabendo que vão perder (no plenário)”, explica.
Segundo Elton, os amplos poderes conferidos ao STF pela constituição e impasses do Legislativo acabaram fortalecendo o Judiciário. “Duas coisas são importantes neste contexto: a própria natureza do desenho institucional brasileiro, que já conferia amplos poderes a Suprema Corte, e o impasse do Congresso”, explica.