Moradora de Caxias do Sul (RS), a aposentada Cely Annita Miorelli, de 88 anos, sente falta das tardes de canastra com outras três amigas. “Infelizmente não dá mais”, lamenta. As quatro mulheres não se veem há oito dias. Desde então cada uma passou a ficar reclusa em casa. Quando precisa abastecer a casa, Cely pede ajuda à filha. Sai apenas para ir à residência ao lado, onde mora a madrasta de 93 anos. Ainda assim, segundo ela, as visitas não são longas como antes, com muito chimarrão. Beijos e abraços também ficaram no passado.
Cely está no grupo de risco da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Ela faz parte dos 31,9 milhões de brasileiros – o equivalente a cerca de 15% da população – que estão entre os mais vulneráveis. O Rio Grande do Sul é o segundo estado com maior índice de idosos: eles representam 19% da população. O Rio de Janeiro é o primeiro, no qual a presença dos idosos equivale a 19,3% do total dos habitantes. Já em São Paulo, onde foram confirmadas nove das 11 mortes por coronavírus no Brasil, os idosos são 16,7% do contingente populacional.
Cely relata gostar de ir ao cinema e à igreja, duas práticas que abandonou depois da chegada do coronavírus. Ela mora sozinha, mas diz que se vira bem: lê bastante, assiste ao noticiário, faz desenhos e reza. “Estou com muita confiança de que vamos dar a volta sobre isso. Não tenho medo”, afirma.
A saúde dos idosos é um ponto de grande preocupação no momento, com o avanço no Brasil do vírus que já matou mais de 11 mil pessoas no mundo. Enquanto em jovens a taxa de mortalidade do coronavírus é menor, de 0,2%, para os idosos ela chega a 14,8%. Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Carlos André Uehara explica que toda doença infecciosa tem como grupo de risco os mais vulneráveis, e aí entram os idosos.
Uma das principais razões para eles fazerem parte do grupo de risco é o sistema imunológico. Diferentemente do que ocorre entre os jovens, os idosos enfrentam uma resposta mais frágil aos fatores externos. Assim, quando um idoso adoece, mesmo quando ele se recupera da doença, pode sofrer alguma alteração no organismo. O segundo fator é a presença de várias doenças simultâneas, o que o deixa mais vulnerável ao desenvolvimento de um quadro severo.
Com pacientes desse perfil e a quantidade crescente de idosos no país, a maior preocupação das autoridades sanitárias no momento é a capacidade de atendimento do sistema de saúde nacional. Na sexta-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o sistema do país pode entrar em colapso no fim de abril. “O colapso é quando você tem o dinheiro, o plano de saúde, a ordem judicial, mas não tem onde se tratar”, disse na ocasião. Na terça-feira, Mandetta foi ainda mais específico: “Cuidem dos idosos. É hora de filho e filha cuidarem dos pais”.
Isolamento social
Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Carlos André Uehara afirma que nenhum sistema no mundo está preparado para um pico de demanda que é imaginado no caso de avanço da Covid-19. “Ninguém consegue ter uma estrutura dessa forma. Se o pico no Brasil for semelhante ao da Itália, a gente vai chegar a um caos. Porque não é um problema do Brasil, é um problema de desenho de sistema”, afirmou.
O médico ressalta a urgência de se tomar medidas de restrição, recomendando o máximo isolamento social possível. Segundo Uehara, os jovens são os grandes “carregadores” do vírus, porque não apresentam sintomas, a mortalidade na faixa etária é baixa e eles acabam se sentindo seguros. “Aqui em São Paulo ainda vemos pessoas em bares, bebendo. Não é hora para isso. A medida mais eficaz comprovada até agora para combater a pandemia é o isolamento social”, disse, em benefício àqueles que são naturalmente mais vulneráveis.
Infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fernando Bozza também ressalta a importância do isolamento social. “Se as pessoas não fizerem nada e continuarem agindo normalmente, a rede de saúde não conseguirá atender a todos, e isso terá um impacto direto nos brasileiros acima de 60 anos. No pior dos cenários, o sistema de saúde colapsa. O sistema, como um todo, não será capaz de absorver os pacientes. É o cenário que a gente não quer”, disse. Para ele, no entanto, a população já está respondendo positivamente. Carlos Uehara frisa ainda que os idosos, mais do que ninguém, devem ficar em casa e evitar ao máximo contato com outras pessoas, em especial com jovens e crianças, que podem estar infectados, mas não apresentam sintomas.
Entretanto, o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria ressalta que o isolamento pode afetar a saúde mental. Ele afirma que o idoso pode sair de casa, se achar necessário, para fazer uma caminhada, tomar um pouco de sol, desde que seja em locais abertos e sem ter contato com outras pessoas. Uehara acrescenta ainda que esta é uma oportunidade de se inteirar mais com a tecnologia. Ele sugere aos idosos que assistam a canais no YouTube, acompanhem vídeo aulas e conversem com amigos por aplicativos de mensagem e redes sociais.
Sobre visitas a idosos, o médico alerta que o melhor é evitá-las. Aqueles que estão em instituições de longa permanência (os antigos asilos) não devem receber nenhum tipo de visita, porque são ainda mais vulneráveis, segundo Uehara. O ideal é manter contato pela internet ou por telefone. Já no caso de um idoso que esteja em casa, é mais “ativo”, é possível fazer algum tipo de concessão — desde que o visitante não apresente nenhum tipo de sintoma e evite contato físico.