Conheça a história de Conceição, a mulher que sobreviveu após ser atropelada por um ônibus…

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Os pensamentos de Maria da Conceição Silva, 42 anos, estão no futuro. Mas quando ela fecha os olhos para adormecer à noite, as cenas de um passado recente, com um ônibus desgovernado vindo em sua direção, não lhe deixam em paz. O sono desaparece. 

A diarista foi atropelada quando chegava para trabalhar, na última sexta-feira, no bairro de Boa Viagem, no Recife. Uma câmera de segurança de um condomínio flagrou quando o carro, que vinha pela Rua José Domingos da Silva, e o ônibus, que seguia pela Rua Padre Cabral, colidiram e esse último subiu a calçada, arrancando uma árvore e atingindo Conceição. 

Doméstica desde os 10 anos de idade, Conceição foi obrigada a deixar a escola por causa do trabalho na infância. Sem o domínio das letras, ela mal assina o nome. Diz sentir-se agradecida por ter aprendido pelo menos a “limpar casa de família”. Não consegue fazer outra coisa, afirma. O trabalho lhe permitiu criar quatro filhos. 

Agora, internada no Hospital da Restauração desde a última sexta-feira, a mulher com nome de santa teme não recuperar a capacidade de trabalho. “Me sinto magoada. Só me vem na cabeça o trabalho. Minha mãe me criou na palha da cana. Eu sou do mesmo jeito. Não sei o que seria de mim se não fosse doméstica. Tenho medo de não conseguir trabalhar. Tô perdida se isso acontecer”, lamenta. O companheiro, pedreiro, está desempregado. Uma preocupação a mais para Conceição. 

Continua…

Canhota, a doméstica está com o lado esquerdo do corpo muito ferido. Levou pontos no braço, na cabeça e teve uma fratura exposta no pé esquerdo. Por enquanto, está sem previsão de alta. “Só quero meu braço e minha saúde de volta. Dinheiro não traz felicidade”, reflete, na cama do hospital. 

Apesar de entristecida e preocupada, Conceição se sente atingida por um tal milagre. “Me levantei e disse: ‘oxe, tô viva’. Lembro que levantei cambaleando, limpei a roupa e ouvi o pessoal gritando, não ande não. Fiquei tonta, mas consciente”. 

Pergunto se depois do susto ela está mais apaixonada pela vida. “Minha filha, quero viver até o dia que Deus permitir. Não foi dessa vez que ele quis me levar. Acho que ainda não cumpri minha missão. Inclusive nem quero saber qual é essa missão”, responde, brincando. 

Conceição não almeja mudanças em sua vida após cruzar tão de perto com a morte. Quer continuidade. No trabalho, na vida afetiva, na crença. “Quando sair daqui vou procurar a igreja (Assembleia de Deus) e dar meu testemunho”, diz. 

Essa não é a primeira vez que Conceição escapa por pouco da morte. Filha de uma mulher com 18 filhos, ela é uma das nove que sobreviveu à pobreza. Em tese, já teria até tempo de aposentadoria, 32 anos de serviços prestados, se contados quando era apenas uma menina de 10 anos. 

O primeiro filho veio aos 15, em plena adolescência, e somente voltou para seus braços aos 12, quando ela já havia deixado Timbaúba para viver e trabalhar no Recife. “Minha tia criou o bebê para mim porque eu era muito jovem. Depois me devolveu”. Moradora da comunidade do Detran, na Iputinga, Conceição até criou os filhos com seu trabalho, mas repete até hoje o ciclo de pobreza familiar. 

Além da diarista, a motorista do carro, Elizabete Carvalho, 58, também ficou ferida. A doméstica ainda avalia se vai acionar a Justiça contra a empresa de ônibus, a Borborema. “Na hora o motorista desceu do ônibus e me pediu desculpas. Se Deus perdoou, porque eu não perdoaria? Mas vou conversar com quem entende de Justiça”, reflete. No HR, uma das filhas, Rayane Milena, 17, faz uma foto de Conceição a pedido do Diario. Esse momento elas querem esquecer para sempre. (Diário de Pernambuco)