Por Tony Goes*
Reclamar que o especial de fim de ano de Roberto Carlos é sempre a mesma coisa está se tornando tão repetitivo quanto o repertório de seus shows. Não vou mais fazer isso. Roberto é isso aí, gente. A esta altura da vida, ele não vai se aventurar pelo piseiro ou se reinventar no agronejo.
“Eu Ofereço Flores”, o programa de 2023, foi mais do mesmo, e ainda assim foi diferente. Como um prato cujo sabor conhecemos desde pequenos, mas que dessa vez foi especialmente benfeito.
Roberto estava bem-humorado e brincalhão, sem a nuvem de tristeza do ano passado – também, pudera, naquela época ele estava de luto por Erasmo Carlos, o parceiro da vida inteira. Com o rosto alisado artificialmente, o artista agora aparenta uma idade indefinida. Sabemos que ele tem 82 anos, mas o que importa mesmo é que a voz e o carisma continuam intactos.
O programa abriu com dois clássicos, um da Jovem Guarda e outro bem mais recente: “Eu te Amo, te Amo, te Amo” e “Esse Cara Sou Eu”. Em seguida, veio a primeira convidada da noite, Luísa Sonza. O Rei costuma se derreter todo pelas moças bonitas escaladas para seu especial, e com Luísa não foi exceção. Os dois exibiram uma química evidente ao cantarem juntos “Olha”.
Aliás, as participações especiais foram muito bem escolhidas. Ana Castela ostentou uma segurança surpreendente para seus 20 anos recém-completados. A cumplicidade entre Mumuzinho e Roberto foi deliciosa de se ver. E o reencontro depois de 29 anos com Fábio Jr., o único veterano do grupo, não teve o menor clima de rivalidade, mas o da reunião de dois guerreiros que lutaram na mesma trincheira.
O único convidado com que Roberto não deu muita liga foi Jão. Talvez a letra de “Me Lambe”, praticamente um hino gay, tenha deixado o Rei incomodado. O dueto deles, com “É Proibido Fumar”, não foi além do protocolar.
Paulo Vieira se deu muito melhor. O comediante, hoje presença obrigatória em todos os grandes eventos da Globo, contou piadas que quase fizeram Roberto sair do roteiro. Em sua terceira e última aparição, os dois cantaram “Ilegal, Imoral ou Engorda”. Paulo não passou vergonha, muito pelo contrário, e incluiu mais uma façanha em seu já extenso currículo.
O especial terminou com “Eu Ofereço Flores”, a primeira música inédita de Roberto Carlos em muitos anos. Uma trilha sonora mais do que adequada para a tradicional distribuição de rosas à plateia, que era composta, em sua imensa maioria, por senhoras anônimas que sabiam de cor as letras de todas as canções e não se faziam de rogadas na hora de entoá-las aos berros, com os bracinhos levantados. Havia algumas celebridades entre elas, como Fátima Bernardes, Ary Fontoura e Rosemary. Mas trazer para a casa de espetáculos Qualistage, no Rio de Janeiro, o mesmo público que costuma lotar os shows de Roberto, foi mais uma decisão acertada.
Apesar do sucesso avassalador, Roberto Carlos não teve uma vida fácil. Sua trajetória é marcada por tragédias, separações e momentos de profunda solidão. Que ele ressurja em 2023 todo contente, perfeitamente à vontade em seu habitat natural, é de se admirar. Roberto é indestrutível.
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*Para a Folha de S. Paulo