Via O Globo – Protagonistas na disputa pelo espólio eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, envolvido em escândalos e investigações que escalaram nas últimas semanas, os governadores de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), intensificaram os movimentos para se cacifar à corrida ao Planalto em 2026. Para isso, passaram a adotar estratégias distintas: enquanto declarações recentes do chefe do Executivo paulista têm agradado os bolsonaristas classificados como moderados, o mineiro encontrou respaldo recentemente entre os mais radicais.
As constatações são amparadas em pesquisas qualitativas contínuas do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep), do Iesp/Uerj, e Instituto da Democracia (INCT), que acompanham eleitores do ex-titular do Planalto. Os grupos são divididos entre aqueles que discordam das invasões do 8 de janeiro (moderados) e os que defendem os atos golpistas (convictos). Como em qualquer estudo qualitativo, os resultados da pesquisa não são suficientes para generalizar posicionamentos, mas oferecem algumas pistas de como esse eleitor pensa.
Desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou Bolsonaro inelegível, em junho, por ter disseminado informações falsas sobre o sistema eleitoral em reunião com embaixadores, Tarcísio e Zema passaram a ser os mais cotados para amealhar a direita em torno de uma candidatura presidencial. As estratégias, porém, vêm alcançando perfis diferentes de eleitores desse campo ideológico, de acordo com o levantamento.
Zema teve mais aprovação entre bolsonaristas convictos ao sair em defesa de interesses do consórcio dos estados do Sul e Sudeste (Cosud), em oposição aos do Nordeste. Na área do Cosud, Bolsonaro foi o mais votado em todos os estados, à exceção de Minas, onde o presidente Lula (PT) teve ligeira vantagem; no Nordeste, o cenário se inverte, com amplas vitórias do petista.
O governador mineiro, conforme o estudo, agradou à ala mais radical do bolsonarismo ao se referir ao Norte e ao Nordeste como “vaquinhas que produzem pouco”, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Na ocasião, Zema defendia que os estados do Sul e do Sudeste deveriam ter maior peso no Conselho Federativo, criado pela Reforma Tributária para distribuir a arrecadação pelos estados. Já os bolsonaristas chamados moderados mostraram preocupação com o tom do comentário de Zema, classificado no grupo como “descabido” e xenofóbico.
Tarcísio, que também cobrou maior representação do Sul e do Sudeste no colegiado, adotou uma postura que contrastou com a de Zema nas discussões da Reforma. O governador de São Paulo, apesar das ressalvas, declarou ser favorável ao texto ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), seu adversário na última eleição.
Os governadores mantêm diferenças na relação com Lula. Após os ataques do 8 de janeiro, Zema sugeriu que o governo federal havia feito “vista grossa” para se passar de “vítima”. Tarcísio, que hesitou em comparecer a uma reunião com Lula no dia seguinte aos ataques, acabou posando ao lado do presidente e defendendo parcerias, postura que se repetiu após deslizamentos no litoral de São Paulo em fevereiro.
Tarcísio, segundo o levantamento do Lemep, foi aprovado por bolsonaristas moderados e convictos em declarações sobre segurança pública, tema que mais apareceu em suas redes sociais no último mês, com 12 das 31 postagens no Facebook. Ele costuma registrar apreensões de drogas e prisões feitas pelas polícias do estado.
Após operações policiais que deixaram 18 mortos no litoral norte de São Paulo, bolsonaristas de diferentes matizes argumentaram que as ações foram “proporcionais” e “necessárias” no contexto da busca pela redução da criminalidade. Tarcísio elogiou a atuação da polícia, criticada por entidades após relatos de violações de direitos humanos.
Parte dos policiais não usava câmeras corporais, equipamento que, num aceno aos mais moderados, Tarcísio decidiu manter em uso, apesar de cobranças de aliados radicais. O governador, contudo, não garantiu a aplicação a todo o efetivo da PM.
“Tarcísio fala de um assunto que já é preocupação desse eleitorado. A de Zema (sobre o Nordeste) gerou uma discussão sobre seu teor separatista. É um discurso que dificilmente tem adesão numa eleição presidencial, sobretudo entre eleitores de centro”, analisa a cientista política Carolina de Paula, do Lemep.
Criticado por parlamentares bolsonaristas ao apoiar a Reforma Tributária, Tarcísio tem buscado se equilibrar com os acenos ao grupo mais moderado sem perder apoio da ala mais radical. Em um gesto recente, o governador enviou um projeto de lei para anistiar quem foi multado por descumprir medidas sanitárias na pandemia, como o ex-presidente. Também anunciou que criará um modelo próprio de escolas cívico-militares em São Paulo, após Lula revogar o programa, e chegou a recusar livros didáticos do Ministério da Educação (MEC), mas depois recuou.
Pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e estudiosa do bolsonarismo, Camila Rocha avalia que Tarcísio tenta transmitir a imagem de alguém que tensiona menos, em comparação a Bolsonaro.
“Tarcísio não pode romper bruscamente com o Bolsonaro para não perder posição no campo das direitas. Provavelmente, ele vai continuar dando sinalizações a esse eleitorado de um lado, mas com uma postura mais moderada do outro”.
Radicalismo em queda
Já os passos de Zema vão no sentido de ampliar o campo bolsonarista no Sul e Sudeste e de apostar em uma postura antissistema. Para Rocha, o risco é o de esbarrar em um cansaço presente no eleitorado, inclusive em parte dos que votaram em Bolsonaro.
Em julho, após Bolsonaro se tornar inelegível, Zema já havia gerado polêmica ao publicar uma frase atribuída ao ditador fascista Benito Mussolini e compartilhar uma citação que associa democracia à escolha de tiranos.
O cientista político Josué Medeiros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que haverá mudanças no tamanho dos campos moderado e radical. O último tende a diminuir com as recentes reveses de Bolsonaro, representando desafios para a estratégia de Zema. “Em vez de propor nova organização da direita, Zema tenta substituir Bolsonaro. O eleitorado radical tende a não ser sustentável a longo prazo. A tática bolsonarista foi derrotada na última eleição”, diz.
Sinalizações de Tarcisio:
-
Elogiou operações policiais no litoral norte de São Paulo e se referiu aos confrontos como um “efeito colateral” da estratégia que visa a “asfixiar” o crime organizado que controla a região.
-
Apresentou um projeto que anistia multas por falta de máscara na pandemia, o que beneficia Bolsonaro.
-
Defendeu a recusa de livros didáticos comprados pelo Ministério da Educação (MEC), do governo Lula, para todas as escolas públicas brasileiras, medida da qual recuou em seguida.
-
Anunciou continuidade de escolas cívico-militares em São Paulo após governo federal encerrar programa criado por Bolsonaro.
-
O Governo de São Paulo sancionou um projeto que rebatiza um viaduto em Paraguaçu Paulista (SP) com o nome de Erasmo Dias, expoente da ditadura militar.
Desafios: Terá que se equilibrar entre os grupos moderados e mais radicais. Em meio às alianças políticas com partidos do centrão, como o PSD, passou a ser visto como um nome do sistema por bolsonaristas mais convictos. O empenho na reforma tributária, em oposição a Bolsonaro, também gerou ruído nesse segmento.
Sinalizações de Zema
-
Classificou estados do Norte e Nordeste como “vaquinhas que produzem pouco” e defendeu uma reação do consórcio de estados do Sul e Sudeste, vaquinhas que, segundo ele, “estão produzindo muito” e são “deixadas de lado”.
-
Após Bolsonaro ficar inelegível, compartilhou nas redes uma frase atribuída a Benito Mussolini. A citação diz que “quanto mais complexa se torna a civilização, mais se deve restringir a liberdade do indivíduo”.
-
Dias depois, publicou uma frase do ex-presidente dos Estados Unidos James Madison, em que afirma que a “democracia é o direito das pessoas escolherem o próprio tirano”.
-
Também anunciou a continuidade de escolas cívico-militares em Minas Gerais após o anúncio do governo federal.
-
Sugeriu, sem apresentar provas, que o governo do presidente Lula fez “vista grossa” para o risco de depredação de prédios públicos no 8 de janeiro.