É improvável, pelo menos até o momento, que Francisco entregue os pontos É improvável, pelo menos até o momento, que Francisco entregue os pontos (Tony Gentile / Reuters)
Por Mirticeli Dias de Medeiros
Esta é uma pergunta que volta e meia bate à nossa porta, é o “prato do dia” de todo jornalista que cobre o Vaticano. Acompanhando de longe a luta do pontífice argentino para reformar a cúria romana, o povo quer saber se a via aberta por Bento XVI para essa possibilidade se tornaria uma prática comum ou se simplesmente, no futuro, seria aclamada como uma decisão pontifícia que, entre tantas, preencheria as páginas dos livros de história da Igreja.
O caso da renúncia de Celestino V, que ocorreu no século XIII, só recebeu certo interesse após a renúncia do atual papa emérito. A diferença é que esse papa medieval, um monge que até então vivia no anonimato, não soube lidar com a política familiar que começava a exercer mais influência sobre o papado e preparava o caminho para o controverso Bonifácio VIII. No caso de Bento XVI, um experiente homem de cúria, houve a consciência de que a máquina vaticana precisava urgente de alguém com pulso firme para dar um basta aos vícios que se instalaram em muitos setores da Santa Sé. Ele sabia dos riscos de expor a instituição, mas fez isso no intuito de salvá-la dos ataques à sua credibilidade. Portanto, essa última renúncia papal ficará para a história como nenhuma outra.
A verdade é que Bento XVI foi o único a levar adiante um desejo que também teria sido manifestado por Pio XI e Paulo VI a seus estreitos colaboradores. E diante do quadro de saúde de João Paulo II que se agravava a cada ano, o próprio Ratzinger, seu braço direito à época, teria aconselhado o papa polonês a tomar essa decisão.
Francisco, em muitos pronunciamentos, chegou a dizer que Ratzinger teria inaugurado uma “nova instituição” como aquela que já existe entre os bispos diocesanos, os quais, ao completarem 75 anos, são orientados a apresentar a renúncia ao papa. Desde então, surgiram os rumores de que Bergoglio também ensaiaria a sua própria demissão.
Apesar da pressão e das consequências de levar adiante uma reforma delicada e cirúrgica, já que não se limita somente ao aspecto institucional, é improvável, pelo menos até o momento, que Francisco entregue os pontos. Primeiro, porque não é da sua personalidade – e quem trabalha com ele sabe disso. Segundo, porque ele jamais faria isso com Bento XVI ainda vivo. Mesmo assim, não é de se descartar essa possibilidade para o futuro, a depender não das dificuldades com a reforma, mas dos limites impostos pela idade, uma vez que ele já expressou, em outras palavras, considerar justo que um papa renuncie diante do reconhecimento de suas próprias limitações. O motu proprio “Aprendendo a despedir-se”, publicado em fevereiro deste ano, que estabelece que todos os prelados da cúria romana – que não são cardeais – apresentem sua renúncia ao completarem 75 anos, como fazem os bispos diocesanos, é mais uma demonstração de que Francisco quer evitar esse apego aos cargos em vista de uma “carreira promissora”, uma das principais causas de engessamento da cúria romana.
No mais, em relação ao presente, há uma declaração oficial feita por Francisco sobre os rumores de uma renúncia que passou despercebida aos olhos de muitos, em 2016, e é com ela que encerramos o artigo a fim de que cada tire suas próprias conclusões:
“Nunca pensei em deixar [o papado] por causa da responsabilidade. Porém, revelo a vocês um segredo: nunca pensei que pudessem me escolher. Foi uma surpresa, mas daquele momento em diante, Deus me deu uma paz que dura até hoje. Esta é a graça que eu recebo. Por outro lado, por natureza sou um pouco ‘inconsciente’, por isso continuo. (Blog Dom Total)