Diário de Pernambuco
A Polícia Civil de Pernambuco indiciou, nesta quarta-feira (1), a primeira-dama de Tamandaré, Sarí Côrte Real, por abandono de incapaz com resultado morte no caso do menino Miguel Otávio, de 5 anos. De acordo com o Art. 133 do código penal, quando há o resultado morte, a pena prevista é de reclusão de 4 a 12 anos. Segundo o delegado responsável pelo inquérito, ela demonstrou o dolo de abandono quando permitiu que a porta do elevador onde estava a criança se fechasse e voltado imediatamente a seu apartamento, onde estava fazendo as unhas.
O laudo pericial, feito pelo Instituto de Criminalística (IC), reafirma o entendimento preliminar do dia do crime (2 de junho), de que a morte de Miguel foi acidental, sem que uma terceira pessoa pudesse estar presente para facilitar ou jogar a criança do alto do prédio. Ainda, afirma que Sarí apertou o botão da cobertura – fato negado repetidamente por ela própria e por sua defesa. Mas segundo o delegado Ramon, o botão da cobertura torna-se irrelevante de ser considerado porque a mulher permitiu o fechamento do elevador e admitiu que não monitorou o andamento da criança pelo prédio. Os fatos foram apresentados em longa coletiva de imprensa virtual, realizada nesta tarde, com a presença de Ramon e do perito André Amaral, do IC.
Em depoimento, realizado na última segunda-feira (29), Sarí disse que não apertou o botão. O gesto mostrado nas imagens seria uma simulação. Ela afirma que deixou a porta do elevador se fechar por ter se confundido ao ouvir sua filha lhe chamando – a menina aparece em algumas imagens, atrás de sua mãe -, e que tentou ligar para o celular de Mirtes Renata Santana de Souza, mãe de Miguel que trabalhava como doméstica na casa da primeira-dama de Tamandaré, e que no momento do crime estava passeando com os cachorros da patroa.
“Vimos que essa versão não se sustentava. Nos pareceu de forma bastante clara, pelas imagens e pelo conjunto probatório dos autos, que isso não ocorreu de forma alguma. Independente da conduta de pressionar ou não a tecla da cobertura, houve a conduta omissiva de permitir o fechamento da porta. Isso, sim, tem valor jurídico penal bastante relevante, inclusive para responsabilização penal da investigada”, afirmou Ramon.
“Não houve confusão. O que teria ocorrido ali foi uma irritação ou cansaço de tentar remover a criança do elevador, sob a alegação de ter feito isso sete vezes. Identificamos que era um momento muito rápido para uma perda de consciência ou distração absurda. Imediatamente ela tira o braço e permite, consciente e livremente, o fechamento daquela porta. E quando se fecha, ela não faz o acompanhamento de onde o elevador teria ido. Ela própria admitiu isso”, acrescentou.
Em vez de tentar ir atrás da criança, ou saber por onde ela estava, Sarí voltou para seu apartamento. “Somado a esse fato, temos outros elementos, provas e informações importantes para a qualificação do caso, como o depoimento da manicure que estava trabalhando lá (na casa dela). Além disso, no depoimento da mulher, a repetição de frases cosignadas de que ‘não teria responsabilidade pela criança’ ou que ‘deixou a criança passear’”, prossegue o delegado. Com essa “infinidade de elementos reunidos”, foi configurado o dolo de abandonar.
Não cabe, neste caso, o dolo de matar – o que descarta a classificação inicial do caso, como homicídio culposo, ou de homicídio com dolo eventual, aquele em que a pessoa não deseja, mas assume o risco de tirar a vida de alguém. “O que temos aqui é um crime preterdoloso”, disse Ramon. O crime preterdoloso ocorre quando a pessoa comete uma conduta de forma intencional, mas o resultado disso é uma ocorrência mais grave do que a esperada.
Em resumo, segundo o delegado, Sarí abandonou de forma consciente o menino Miguel, mas não esperava que a criança morresse. “O dolo eventual está ligado à psique do agente. Para ver se houve dolo eventual, precisaríamos analisar a conduta antes e depois do fato. E as circunstâncias mostram de forma bastante clara que, ao saber da queda, a moradora (Sarí) desceu imediatamente, ofereceu socorro imediato à criança, dirigiu ‘como uma louca’, legitmamente preocupada com aquele socorro”, exemplificou.
Ramon foi criticado por não ter classificado a morte do menino Miguel como homicídio doloso ou com dolo eventual de imediato. No dia do ocorrido, segundo o delegado, as informações eram parcas ou insuficientes. As únicas coisas que a polícia tinha, em mãos, era o depoimento da mãe do menino, Mirtes; o silêncio de Sarí, que não se manifestou sobre o caso na delegacia; e algumas imagens das câmeras de segurança.
“Se tivéssemos presumido dolo de matar ou de abandonar, a nosso juízo, teria sido uma prisão ilegal. Não havia nexo de causalidade. Conseguimos sair juridicamente pelo único caminho, a nosso juízo, com parcos elementos de informação, para que ela não saísse da delegacia ‘pela porta da frente’, como se diz popularmente”, rebateu.