Câmaras Municipais pesam na conta dos prefeitos de Pernambuco…

Diário de Pernambuco

Aline Moura

Em qualquer congresso de prefeitos, o discurso é quase sempre o mesmo: crise, falta de dinheiro. Os gestores reivindicam, principalmente, o aumento de repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), alegando que a maioria dos governos são financiados por recursos federais e estaduais, não têm fonte de receita capaz de bancá-los, como indústria ou oferta de serviços, como turismo. O que muitas pessoas não sabem é que o crescimento do FPM (uma transferência constitucional da União) também favorece a determinadas Câmara de Vereadores, como tem acontecido com 14 cidades pernambucanas, a maioria do Sertão, onde os gastos per capita para manter o Poder Legislativo são maiores que a média nacional (R$ 104,43%).

O Poder Legislativo de municípios com até 20 mil habitantes tem pesado no caixa dos governos, mas os prefeitos não falam explicitamente sobre o assunto para não contrariar os vereadores, que são potenciais aliados. Segundo levantamento da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a média nacional de despesa por habitante com as câmaras, nesses pequenos municípios, é de R$ 104,43 por ano. Em tese, isso significa que um cidadão ou cidadã que recebe um salário-mínimo de R$ 973 paga o valor mencionado para que a Câmara de Vereadores funcione. É um imposto invisível, quase secreto.

No município de Itacuruba, o segundo menor de Pernambuco, acima apenas de Ingazeira, uma pessoa gasta R$ 270,06 com o Legislativo anualmente, mais que o dobro da média nacional. Além de Itacuruba, em outros 13 municípios do estado, como Ingazeira, Camutanga, Calumbi, Itapissuma, Solidão, Paranatama, Quixaba, Granito, Floresta, Terezinha, Itamaracá, Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho), a despesa com o Legislativo por pessoa extrapola os índices nacionais.

A distorção tem uma origem a partir da Emenda Constitucional número 25/2000, que acrescentou o artigo 29-A na Constituição Federal e o texto foi alterado posteriormente pela EC número 58/2009. Na prática, 7% da receita de cada cidade com até 100 mil habitantes vai obrigatoriamente para o Legislativo municipal. São contas salgadas: a prefeitura enquadrada neste critério é obrigada a investir 7% da receita numa única câmara de vereadores, quase a metade do que é usado na saúde municipal (15%). E os municípios de menor população são os que mais gastam. No ano passado, quando o FPM teve um leve aumento de cerca de 7% por conta dos recursos da repatriação, esse repasse também chegou às câmaras, que muitas vezes funcionam apenas um dia por semana para votações de projetos.

A situação é tão delicada que a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CABC), com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas, defende a mudança da legislação, mas ainda não encontra voz nos parlamentares. O estudo propõe que o Legislativo deveria receber um percentual da receita própria da prefeitura – sem contar com as transferências constitucionais recebidas dos estados e da União. Com isso, o Executivo teria mais recursos para investir em outras áreas carentes, mas o tema é tabu para os vereadores.

O estudo do CABC tomou como base 3.762 municípios do Brasil que prestaram informações ao Tesouro Nacional. O levantamento mostrou que 19% desse total gastaram mais a título de despesas legislativas em 2016 do que conseguiram gerar com suas receitas próprias. Caso a proposta venha a ser implementada, a CACB calcula uma economia de R$ 11,34 bilhões para o total dos municípios.

Continua…

Quase metade da população de Itacuruba recebe meio salário-mínimo, segundo o IBGE, e a cidade enfrenta muitas dificuldades com problemas de saúde. Muitas pessoas na cidade sofrem de depressão por conta de problemas econômicos e pelo fato de a cidade ter mudado de lugar.

 

Quase metade da população de Itacuruba recebe meio salário-mínimo, segundo o IBGE, e a cidade enfrenta muitas dificuldades com problemas de saúde. Muitas pessoas na cidade sofrem de depressão por conta de problemas econômicos e pelo fato de a cidade ter mudado de lugar.

Em Itacuruba, despesa per capita com Legislativo é de R$ 315,18

O município de Itacuruba, cerca de quatro quilômetros do São Francisco, é conhecido como “Jardim do Sertão”. A temperatura pode chegar a 40 graus em alguns dias do ano e a cidade já teve dez vezes mais suicídios que a média nacional, em 2014, cuja taxa era de 6 mortes por cada grupo de 100 mil habitantes. A média salarial é 1,8 salários-mínimos – não chega a ser um dos mais pobres do estado -, mas 45% da população recebe menos de meio salário mínimo, segundo dados do IBGE. 

Nenhuma dessas dificuldades, no entanto, pesa quando a prefeitura é obrigada, pela Constituição, a enviar 7% de sua receita para a Câmara, sob pena de o prefeito ser punido se não o fizer. Somente em 2016, na gestão passava, o Legislativo de Itacuruba recebeu R$ 1,2 milhões do Executivo. Foi quase a metade do valor empenhando para a saúde naquele mesmo período, de R$ 3,8 milhões, o que mostra a distribuição injusta.  No interior, especialmente, é comum as pessoas procurarem o Sistema Único de Saúde para realizar tratamentos médicos. 

Os moradores de Itacuruba enfrentam sérios problemas de depressão, causados pela mudança do local da cidade, a partir de uma  inundação causada pela instalação de usina hidrelétrica, na década de 1980. Mas os gastos com os  nove vereadores são tão altos quanto os da saúde. A folha de pagamento mensal deles gira em torno de R$ 36 mil por mês e eles têm disponível mais R$ 37 mil para contratar comissionados. 

Segundo o presidente da União de Vereadores de Pernambuco, Josinaldo Barbosa, a luta para reduzir os repasses obrigatórios para as câmaras não está em debate. Ele diz que, se existir, essa discussão deve ser feita pelo Congresso Nacional. Ao ser informado que a FNP estava discutindo o tema, o vereador disparou. “Esses repasses estão na Constituição. Como é que o vereador vai bulir nisso? Os prefeitos falam porque não gosta de vereador”. (A.M)

No Legislativo ipojucano, bancadas de vereadores são de mármore. Só no ano passado, a Câmara gastou R$ 38 milhões. Foto/divulgação

 

No Legislativo ipojucano, bancadas de vereadores são de mármore. Só no ano passado, a Câmara gastou R$ 38 milhões. Foto/divulgação

 

Ipojuca no top 10 de gastos no Nordeste

 A Legislação atual de distribuição de recursos das prefeituras para as Câmaras também provoca uma distorção em períodos de expansão econômica, segundo levantamento da Frente Nacional de Prefeitos. Quando os municípios estão em crescimento, o aumento da receita também é repassado em forma de duodécimo para a Câmara de Vereadores. É por esse motivo que o município de Ipojuca, no litoral Sul, aparece em primeiro lugar no ranking estadual, em gastos com a Câmara. Por lei, a Prefeitura de Ipojuca teve que transferir o equivalente a R$ 38,7 milhões para o Legislativo municpal em 2016. Os dados foram levantados no site Compara Brasil, lançado recentemente.

A quantidade de recursos investido na Câmara de Ipojuca coloca o município entre os 10 que mais gastam com vereadores no Nordeste. A despesa por habitante com o Legislativo ipojucano é de R$ 416,68 por ano. É destoante para uma cidade onde 44% do rendimento nominal per capita é de até meio salário-mínimo e 12 vereadores são privilegiados. Nessa cidade da Região Metropolitana do Recife, as bancadas dos vereadores são de mármore. Mas quase a metade dos domicílios não tem esgotamento sanitário adequado. Para o grau de riqueza do município, é de espantar que ele esteja em 52º (dos 184 do estado) na taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade. 

Embora 70% das Câmaras tenham reduzido os gastos em 2016, Ipojuca aumentou 6,16% em relação ao ano de 2015. Cidades que possuem acima de oito milhões de habitantes, por sua vez, são obrigadas a destinar 3,5% do que arrecadam ao Poder Legislativo, isso incluindo o FPM e também uma fatia do famoso Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e do Imposto de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O presidente da Câmara Municipal de Ipojuca, José Ricardo de Souza, não deu retorno à reportagem.

 

Recife  – A capital de Pernambuco está em oitavo lugar no ranking nacional das que gastam com vereadores por habitantes. A despesa per capita com a Câmara do Recife foi de R$ 83,65 no ano passado, mas com uma redução em relação a 2015, quando o valor foi de R$ 88,81. O Legislativo municipal recebe 4,5% da receita do município. No ano passado, esse poder recebeu R$ 135,9 milhões do Executivo, em repasses obrigados por lei.

Segundo pesquisa feita Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, os gastos com as Câmaras ajudam cidades a não bancar serviços essenciais para a população, como saúde, educação e transporte. A entidade ressalta, ainda, que mais de 30% dos municípios pecam na falta de transparência para explicar esses gastos.

 

Repasses são sempre intocáveis

Os gastos com despesas de Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional pesam no bolso de todos os eleitores. Mas, quando se fala em cortes, as lideranças políticas não pensam em reduzir seus benefícios. Segundo o professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Elton Duarte Batalha, o debate sobre a atual reforma da Previdência mostra o quanto os privilégios dos políticos continuam intocáveis. Da mesma forma que os parlamentares não aceitam discutir uma lei para diminuir o duodécimo, eles não mexem na aposentadoria deles – muitos ganham acima de R$ 33 mil. 

Mestre e doutor em direito do trabalho pela USP, o professor dá um exemplo didático sobre a falta de solidariedade dos políticos. Imagine que uma mulher trabalhe, ganhe acima de R$ 5 mil, e seu companheiro, que também contribui com o INSS, venha a falecer bem antes dela. Quando essa mulher se aposentar, ela não poderá ganhar o teto máximo do INSS, que é R$ 5 mil, e juntar com a pensão do companheiro, porque a aposentadoria e a pensão não poderão ultrapassar dois salários-mínimos. “Em vez em vez de todo mundo contribuir com uma parcela do sacrifício, esse sacrifício não é suportado por quem poderia suportar a maior parte, que são os mais privilegiados do sistema”, declara Elton. (A.M)

Em meio à crise, gastos aumentam em Salgadinho

 

No município de Salgadinho, a 84 quilômetros do Recife, no Agreste pernambucano, o maior drama da população é a falta de água, um sofrimento que já dura mais de dois anos. Com pouco mais de 10 mil habitantes, a cidade era abastecida pela barragem de Jucazinho (interditada) e o prefeito José Soares, conhecido como Zé de Veva (PMDB), se vira em mil para abastecer a população com carros-pipas, furar poços artesianos, incentivar o turismo e manter a saúde em dia. Foram investidos mais de 15% da receita municipal na saúde em 2017, mais do que manda a Constituição Federal. O esforço dele tem sido tão reconhecido que, segundo aliados, sua popularidade passou dos 80% no primeiro ano de mandato. 

O que pouco se fala é que, de toda receita do município (tudo que a prefeitura arrecada e mais as transferências constitucionais, como FPM), 7% vai para a Câmara Municipal de Vereadores. E os vereadores têm que gastar os recursos entre eles, não podem investir. Os gastos per capita com o Legislativo de Salgadinho foi de R$ 99,76 em 2016. O jogo ainda não mudou de lá para cá e o presidente Jeosadaque Bargosa Salgado, conhecido como Joia (PMDB), reelegeu-se para o mesmo cargo . 

Ao contrário de 70% das câmaras do país, a de Salgadinho aumentou os gastos em 19%. Recebeu R$ 1 milhão no ano passado de recursos, contra R$ 885,23 mil de 2015. Já este ano, mesmo diante da crise, os gastos com a câmara dessa charmosa cidade, conhecida pelas águas termais, vai chegar a R$ 1,118 milhão, um acréscimo de R$ 200 mil. 

O vereador Joia responsabiliza o Congresso Nacional pelas distorções do que recebem as câmaras de todo o país e tem facilidade de enxergar os benefícios das outras Câmaras, não a sua, a sua não. Ele diz que não é obrigação dos vereadores lutar pela diminuição dos repasses do duodécimo ou pelo menos devolver parte dos recursos para a prefeitura no final do ano.  “Não devolvemos recursos não”, explica ele. 

“Nossa câmara é pequena, nosso salário é cerca de R$ 5 mil. Se fosse a Câmara de Ipojuca… Não sei nem como é que eles gastam aquele dinheiro”. Indagado se acha injusto que a câmara receba quase metade do que se gasta na saúde, ele responde: “não acho injusto”. (A.M)