Uma pesquisa realizada em 2015 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com 1.500 pessoas, mostrou que 33,3% dos homens e 22,4% das mulheres entre 18 e 34 anos são homo ou bissexuais. Essa pesquisa foi realizada com jovens de todo o Brasil. A representatividade homossexual cresce a cada dia. Reflexo disso são os dados do Censo 2010 sobre casamento igualitário. Divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números mostram que o Brasil contabiliza mais de 60 mil pessoas vivendo com parceiros do mesmo sexo. Entre 2014 e 2015, o casamento homoafetivo cresceu mais do que a formalização do compromisso entre casais heterossexuais no Brasil.
Para essas pessoas, geralmente, o processo de se assumir publicamente é muito difícil e causa um grande sofrimento psíquico para alguns. O estudante Danilo Brito, 21 anos, sabe bem como é isso. Ele sempre sentiu que não se encaixava na conduta heterossexual, mas teve que passar por um processo muito conturbado de autoaceitação para que conseguisse se sentir bem consigo mesmo. “Na minha cabeça, ser gay era a pior coisa que eu poderia me tornar”, confessa.
“Eu pensava em esconder isso pra sempre, em viver uma vida que não era minha”. Para ele, não houve um dia certo em que assumiu sua homossexualidade: “as coisas foram se dando aos poucos. Depois que aceitei, me assumi para poucas pessoas. Então, fui criando segurança e tenho me assumindo mais”, conta.
Hoje Danilo conseguiu superar as adversidades e se sente confortável com sua condição. Ele receia que, com medidas para estabelecer a “cura gay”, mais pessoas passem pelo mesmo que ele. “As crianças serão mais afetadas com isso, obrigadas a se encaixar em condutas e a esconder quem realmente são”, lamenta.
Psicólogos e a comunidade LGBT acreditam que tratar a homossexualidade como doença representa um risco para os homossexuais. A psicóloga Flávia Timm diz que não se pode legitimar o preconceito. “Se a gente quer paz, não podemos ser coniventes com o ódio”, assegura. “Quando o Estado diz que temos que nos curar, está criando ódio e colocando essa comunidade em risco”, critica.
Violência
O Brasil é campeão mundial de crimes contra minorias sexuais. O ano de 2016 foi o mais violento desde 1970 contra pessoas LGBTs. Foram registradas 343 mortes, entre janeiro e dezembro do ano passado. Ou seja, a cada 25 horas um LGBT foi assassinado. Felipe Baére, psicólogo da Comissão Especial LGBT do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, diz que permitir a reorientação sexual é um risco. “Estamos falando de uma decisão cujos desdobramentos são extremamente perigosos”, alerta.
Ele conta que, em episódios da história em que a terapia de reversão foi empregada, sempre houve relatos de muita agressão psicológica, física e de tortura. “Não era incomum desdobramentos severos e que levavam ao homicídio de pacientes considerados ‘anormais’”, diz. “Estamos falando de internações compulsórias que se tornaram prisões perpétuas, de ingestão de substâncias indutoras de enjoos associadas a imagens e vídeos com cenas homoafetivas, de eletrochoques, castração física e química”, afirma Baére.
Surgimento do termo
No Brasil o termo “cura gay” surgiu por meio do projeto de lei do ex-deputado federal, Paes de Lira, que visava permitir que psicólogos tratassem da homossexualidade. O texto foi assumido pelo deputado João Campos (PSDB-GO), em 2011, após Paes de Lira não ser reeleito. Em 2013 a Câmara dos Deputados aprovou, por votação simbólica, requerimento do deputado para que o texto fosse retirado de tramitação.
“Estamos falando de internações compulsórias que se tornaram prisões perpétuas”, Felipe Baére, psicólogo da Comissão Especial LGBT o Conselho Regional e Psicologia do DF.
Cor e festa contra a “cura gay”
Quem passou pela Praça do Relógio na tarde de ontem pôde sentir, mesmo que de longe, o clima animado da 12ª Parada LGBTI de Taguatinga. A passeata, considerada a segunda maior manifestação social de direitos humanos e da cultura LGBT do Distrito Federal, reuniu mais de 35 mil pessoas. De acordo com a Polícia Militar, eram apenas 5 mil. Eles se expressaram com respeito e irreverência a favor da causa. A concentração começou às 13h e, aos poucos, o local foi ganhando cor, sons e personalidade.
Nesta edição, o evento com o tema “Juntos formaremos um Arco-íris. Você não está só” foi às ruas vestindo as cores do arco-íris. As manifestações ocorreram contra a decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, que, no último dia 15, concedeu uma liminar que torna legalmente possível que psicólogos ofereçam terapias de reversão sexual, popularmente denominada por “cura gay”. De acordo com o coordenador geral da parada, Michel Platini, a luta do grupo objetiva ganhar a visibilidade e o respeito necessários. “Quando estamos juntos, criamos forças e podemos ser quem nós somos. Isso impulsiona as pessoas no dia a dia a continuar essa luta. É um meio de transformar a sociedade”, afirmou.
Para as estudantes Thereza Raquel de Brito, 19 anos, e Ana Paula Souza, 23, a manifestação foi uma oportunidade de mostrar que, com amor, as mudanças podem ser percebidas. “Depois de todas essas decisões, o que podemos fazer é mostrar que estamos longe de sermos doentes por conta da nossa orientação sexual. Não precisamos mudar quem somos para sermos respeitadas”, disse Thereza.
Segundo dados do Censo Demográfico do IBGE, realizado em 2010, o modelo familiar formado por pai, mãe e filhos deixou de ser maioria no Brasil. Os novos arranjos já representam 50,1% dos lares brasileiros, contra 49,9% da formação tradicional. A parada de ontem reforçou isso. Juntos há mais de oito anos, o empresário Bernardo Portela, 53, e seu parceiro, o intercambista Max Leybe, 31, marcaram presença no local. “Chegamos da Irlanda recentemente. Sempre que estamos no Brasil fazemos questão de frequentar esses eventos. Achamos incrível a diversidade e o fato de podermos nos divertir e lutar por algo que acreditamos”, disse Bernardo. O casal, assim como tantos outros presentes na parada, acredita que o amor, acima de tudo, precisa ser respeitado. “A sociedade não pode fechar os olhos para nós”, ressaltou Max.
A animação das drags militantes Ruth Venceremos, 33, e Rafizza Fallafel, 27, também contagiou quem estava próximo ao som. “Precisamos nos organizar para essa luta”, garantiram.