Após sofrer derrota e não conseguir manter a validade de uma MP (medida provisória) que limitava a remoção de conteúdos em redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro decidiu enviar ao Congresso proposta que segue a mesma linha. Agora, no entanto, o texto foi apresentado em formato de projeto de lei, que não tem efeito imediato e só passa a valer se for aprovado pelos deputados e senadores.
A MP havia sido rejeitada e devolvida ao governo pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e suspensa por decisão liminar do STF (Supremo Tribunal Federal).
O anúncio da nova tentativa foi feito pela secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ontem (19).
Segundo o órgão, o projeto tem o objetivo de garantir direitos dos brasileiros nas redes. “As provedoras das plataformas terão de apresentar justa causa para excluir e remover conteúdos e usuários”, disse.
A secretaria afirmou que a medida não impede a remoção de conteúdos e perfis, “apenas combate as arbitrariedades e as exclusões injustificadas e duvidosas, que lesam os brasileiros e suas liberdades”. Argumenta ainda que a ideia é evitar que “perfis idôneos recebam, de forma injusta, o mesmo tratamento de criminosos”.
Além de não ter vigência imediata, como as MPs, o projeto de lei também deve encontrar ambiente hostil no Legislativo, especialmente no Senado, que vem impondo derrotas a Bolsonaro.
Na última terça-feira (14), Pacheco devolveu ao governo a medida provisória que tratava do tema.
Ao fazer o anúncio, Pacheco evitou comentários políticos a respeito da devolução. Apenas leu o ato jurídico que assina, no qual afirma que a MP promovia “alterações inopinadas ao Marco Civil da Internet” e gerava “considerável insegurança jurídica”.
Ele também lembrou que o assunto tratado na MP já é discutido no projeto de lei sobre fake news, aprovado pelo Senado em 2020 e atualmente em tramitação na Câmara. Assim, de acordo com o presidente Pacheco, a edição da medida “revela a manifesta tentativa de suplantar o desenvolvimento do devido processo legislativo”.
Assinada por Bolsonaro na véspera dos atos de raiz golpista que ocorreram no feriado do 7 de Setembro, a MP alterava o Marco Civil da Internet para impedir que as redes sociais decidam sobre a exclusão de contas ou perfis apenas com base nas próprias políticas de uso.
O texto foi publicado em uma edição extra do Diário Oficial da União e criticado por parlamentares e por organizações da sociedade civil. Ao se manifestar em uma ação de partidos políticos que contestavam a MP, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF a suspensão da medida provisória.
No mesmo dia do anúncio de Pacheco, a ministra Rosa Weber, do STF, concedeu liminar para sustar os efeitos da MP. A magistrada é relatora de uma série de ações de partidos políticos que contestam o texto.
“Defiro o pedido de medida cautelar para suspender, na íntegra, a eficácia da MP”, decidiu a ministra, que pediu ao presidente do Supremo, Luiz Fux, o envio da matéria para sessão virtual extraordinária do STF. Com a decisão de Pacheco, no entanto, as ações devem perder objeto.
Rosa destacou que a matéria, considerada por ela de “elevadíssima complexidade”, deve ser discutida no Legislativo, “o locus adequado para discussão, elaboração e desenvolvimento”.
Desde o início do ano, o governo discute formas de engessar a atuação de empresas como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram. Em maio, uma minuta de decreto, tido como ilegal e inconstitucional por advogados consultados pela reportagem, chegou a ser debatido pelo Ministério das Comunicações. A leitura do governo era que o texto deveria ser feito por instrumento legal mais rígido, como a MP.
A Secretaria de Cultura, comandada pelo ator Mario Frias, membro da chamada ala ideológica do governo, encabeçou a elaboração da medida.
A MP era ainda um aceno à base do presidente. Publicações de Bolsonaro e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, ao isolamento social.