Da revista Veja – em Curitiba, lançou a sua candidatura à Presidência. Mesmo com poucas chances de sucesso, o petista esticou a corda, mantendo o seu nome no páreo até o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tirá-lo da corrida a menos de quarenta dias do primeiro turno. A estratégia quase deu certo. Lula transferiu boa parte dos votos ao vice, Fernando Haddad, que foi para o segundo turno. Oito anos depois, a história poderá se repetir, mas agora com o vencedor daquele pleito, Jair Bolsonaro. Também inelegível, ele dá mostras de que vai levar a discussão sobre a sua candidatura até 2026 — o que poderá impactar não só o processo eleitoral, mas todo o ambiente político do país.
A principal frente para recuperar o direito eletivo até agora é a da Justiça. Condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à inelegibilidade por oito anos em dois processos, ele já recorre ao Supremo Tribunal Federal de uma das decisões: o caso em que foi punido por usar a estrutura do Palácio do Planalto para uma reunião com embaixadores, em 2022, na qual atacou as urnas eletrônicas. A sua equipe jurídica é chefiada por um ex-ministro do TSE, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, e contratada pelo seu partido, o PL, que tem amplo interesse em travar a disputa pela candidatura nos tribunais.
A sorte, ao menos nesse início da estratégia, não parece estar ao lado de Bolsonaro. O ministro escolhido para relatar o caso é Cristiano Zanin, por ironia, ex-advogado de Lula e da campanha do PT ao Planalto em 2022 — o que deixa no ar a hipótese de ele se declarar suspeito. Se isso não ocorrer, tudo indica que as chances de Bolsonaro são pequenas. O ministro é “linha-dura” nesse tipo de processo: todos os recursos eleitorais que passaram pela sua relatoria em 2023 tiveram decisões negativas. O voto dele, de qualquer forma, precisaria ser submetido à Primeira Turma do STF e, se houver recurso, ao plenário. Mesmo assim, a chance de Bolsonaro pouco muda: a taxa de provimento de recursos no Supremo no ano passado foi de apenas 4,6%. “A chance dele é reduzidíssima”, diz Walber Agra, advogado do PDT, responsável pela ação que levou à inelegibilidade do ex-capitão.
A defesa não tem nenhuma pressa em acelerar os julgamentos do ex-presidente no STF por um bom motivo. Enquanto não existir trânsito em julgado (o fim de todas as hipóteses de recurso), há a possibilidade de Bolsonaro tocar uma candidatura sub judice, igual à de Lula em 2018. Ele poderá pedir o registro no TSE, o que dará origem a um processo judicial — o deferimento ou não só ocorrerá perto do primeiro turno (no caso de Lula, foi no dia 31 de agosto). Enquanto o tribunal não tomar uma decisão, Bolsonaro vai usufruir de todas as prerrogativas dos candidatos: terá tempo de TV, poderá ir aos debates e fazer campanha na rua. Um ponto a favor do ex-presidente é que a Corte eleitoral em 2026 estará sob a presidência de Kassio Nunes Marques, que foi indicado a ministro do STF por Bolsonaro e que votou contra a sua inelegibilidade nos dois processos. Na chefia do TSE, ele terá poderes para conceder liminares que podem ajudar o ex-presidente, como permitir que ele dispute a eleição enquanto tiver recurso em tramitação.
Mesmo que fadada ao fracasso, uma candidatura sub judice poderá trazer vários ganhos políticos. O “plano A” é capitalizar a popularidade de Bolsonaro como candidato e, se houver um revés judicial, transferir os votos ao vice. Nesse caso, será preciso saber qual é o potencial de transferência de eleitores do ex-presidente — o que também vai depender, claro, de quem será o vice e da ligação que ele tem com Bolsonaro. O feito de Haddad, que herdou rapidamente o eleitorado de Lula, foi fora da curva — a média de transposição de votos é em torno de 30%. O potencial eleitoral do ex-presidente ainda é alto. Pesquisa feita pelo Datafolha em dezembro apontou que 91% dos que votaram em Bolsonaro em 2022 não se arrependem da sua escolha e que 82% têm agora confiança nele igual ou maior do que tinham na eleição passada.
Mesmo que não consiga repetir 2018, a estratégia pode trazer ganhos ao bolsonarismo e ao PL. A perspectiva de voltar ao poder, mesmo que ilusória, ajuda a manter o capital político de Bolsonaro, a sua capacidade de atrair aliados e o seu peso para eleger correligionários. Com ele nas ruas fazendo campanha, deve manter-se o ambiente de polarização com o PT, ocorrido nas duas últimas eleições, o que ajuda o bolsonarismo. “A candidatura dá munição aos apoiadores mais radicais”, afirma o cientista político Eduardo Grin, professor da FGV.
Há, no entanto, também muitos efeitos colaterais. Um deles será dar combustível à animosidade dos apoiadores de Bolsonaro contra o Judiciário, em especial a Justiça Eleitoral, um dos principais alvos nos últimos anos. Como ocorreu com Lula, a militância deve pressionar o TSE antes do julgamento. Um Bolsonaro impedido às vésperas da votação de concorrer por causa da Corte eleitoral ou do Supremo poderia ser a faísca perfeita para uma nova onda incendiária contra o sistema eleitoral. “Existe uma aposta de investir no ataque ao Judiciário”, avalia Carlos Nascimento Santos, docente da Universidade Federal Fluminense e doutor em teoria do Estado.
Outro efeito colateral, igualmente preocupante, é o sufocamento de candidaturas do centro à direita, que poderiam ser uma alternativa até melhor para enfrentar Lula. Bolsonaro sempre foi resistente em passar o bastão e, desde que ficou inelegível, em junho de 2023, não avaliza o nome de ninguém enquanto ele próprio puder ser o rosto e a voz do conservadorismo no Brasil.
Se for candidato em 2026, ele vai reduzir sensivelmente o espaço para candidaturas como as dos governadores Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho Junior (PR) e Ronaldo Caiado (GO) ou da senadora Tereza Cristina (MS), todos já especulados como presidenciáveis.
O risco para essa turma é naufragar eleitoralmente se tentarem se descolar do ex-presidente caso ele seja candidato. Em 2018, a pretensão de Ciro Gomes minguou depois da intervenção de Lula, que da cadeia atraiu partidos que o pedetista esperava ter ao seu lado. “Além disso, enquanto for o candidato, Bolsonaro terá o voto anti-Lula”, diz Murilo Hidalgo, diretor do instituto Paraná Pesquisas.
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem dado mostras de que ainda sonha com a volta à Presidência. Desde que deixou o Planalto, viaja pelo país em agendas com pré-candidatos e encontros com apoiadores em locais públicos. Nas redes, gasta parte do tempo com posts sobre feitos da sua gestão e comparações com o governo Lula — além, claro, de vídeos e fotos com eleitores em cidades como São Miguel dos Milagres (AL) ou Angra dos Reis (RJ). Entre os aliados mais próximos, todos o tratam como candidato. “Não passa na cabeça de nenhum de nós uma segunda opção. Não tem outro nome”, afirma o ex-ministro do Turismo Gilson Machado Neto. “O horizonte mais próximo é 2026. A força do presidente Bolsonaro no Brasil é indiscutível”, diz Altineu Côrtes (PL-RJ), líder do partido na Câmara.
Quem mais está interessado em esticar a corda é o PL, que aposta no prestígio de Bolsonaro para alavancar seus candidatos no Senado e na Câmara e repetir o sucesso de 2022, quando elegeu a maior bancada de deputados (99) e levou oito das 27 cadeiras em disputa no Senado. Além disso, nenhum dos outros presidenciáveis do centro à direita especulados até agora é do PL. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, é otimista com relação à reversão da inelegibilidade. “Quem diria que Lula, preso todo aquele tempo, ia ser candidato? As coisas no Brasil podem mudar. Temos quase certeza de que Bolsonaro vai ser candidato”, exagera.
Para o cacique, mesmo que o ex-presidente seja preso, em razão das investigações das quais é alvo (incitação ao 8 de Janeiro, venda de joias da Presidência e ataques às urnas, entre outras), o plano de tê-lo na disputa continuará mantido, já que ele acredita que o ex-presidente poderia se tornar um mártir, vitimado por um suposto autoritarismo do Judiciário. Ele diz que a melhora da popularidade já ocorreu quando o ex-presidente foi julgado inelegível. “Imagine se ele for preso então. Vão levar Bolsonaro para o céu”, acredita. “Pessoalmente, seria uma tragédia para Bolsonaro. Eleitoralmente, seria muito positivo”, diz Murilo Hidalgo.
Embora Bolsonaro não possa ser impedido de buscar seus direitos, uma estratégia baseada no princípio de esticar a corda com o Judiciário pode gerar instabilidade política, um processo eleitoral envolto na incerteza e um clima de animosidade institucional indesejado, ainda mais depois do 8 de Janeiro. Além disso, a insistência de Bolsonaro dará sobrevida a uma estratégia batida de polarizar a disputa eleitoral, reduzindo a qualidade do debate público e minando novos nomes do seu próprio espectro político. O país precisa de mais serenidade e racionalidade para discutir o seu futuro.