Laura Ferreira Carvalho, a Laurinha, de apenas cinco meses, já trilhou caminhos longos e surpreendentes. Nascida no Recife, logo nos primeiros dias de vida ela foi diagnosticada com uma doença rara, chamada de atrofia muscular espinhal (AME). Estimulados pela neuropediatra Vanessa Van Der Linden, os pais de Laurinha foram atrás de um estudo clínico que estava sendo realizado em Boston, nos Estados Unidos. Nos últimos instantes, eles conseguiram fazer com que a bebê fosse incluída nos testes para receber, gratuitamente, o remédio Zolgensma, considerado o mais caro do mundo: U$ 2,125 milhões, o mesmo que R$ 9 milhões.
“Eu já tinha uma filha, hoje com 13 anos, que possui a AME. Não tinha mais a intenção de engravidar. Foi fazendo os exames para passar por uma cirurgia de laqueadura que eu descobri que estava esperando Laurinha”, lembra Estefânia Ferreira, de 40 anos. “Eu fiquei muito abalada, pensei em muitas besteiras, mas segui em frente. Sabendo dos riscos, assim que ela nasceu nós realizamos o teste de DNA, onde foi identificada a doença”, conta. A partir daí, a médica que acompanhava Laurinha falou para Estefânia dos testes que estavam sendo realizados em Boston. “Quando a médica viu os resultados dos exames, ela entrou em contato com as pessoas desse laboratório, para incluir Laura. Mas para participar, ela deveria ter até 42 dias de vida e estar com todos os exames.”
Além dessas exigências específicas, Estefânia e o pai de Laurinha, Gustavo Henrique de Carvalho, de 41 anos, tinham que correr contra o tempo para tirar as documentações necessárias para entrar no país, assim como pensar em estadia e alimentação. “A gente não tinha dinheiro, nem os exames prontos. Então a gente começou a fazer uma vaquinha na internet e a falar com conhecidos e conhecidos de conhecidos que moravam por lá para ver se conseguíamos hospedagem”, recorda Estefânia. Por não conseguirem resolver tudo a tempo, os pais de Laurinha desistiram da viagem. “Uma das pessoas que entramos em contato para nos hospedar em Boston, Luiz, tinha ligado para uma médica para saber se precisava de algo especial na casa para uma criança com AME. Quando ela retornou a ligação, soube que nós não iríamos mais e perguntou o motivo.”
A médica era Kathryn Swoboda que, coincidentemente, fazia parte da equipe que estava desenvolvendo o estudo do qual Laurinha faria parte. “E aí ela explicou que Laura tinha chances de participar, desde que ainda não tivesse 8kg e que nós arcássemos com todos os gastos, de internação e exames. Mas que o remédio estava garantido, de graça”, detalha Estefânia. “Nós fomos. Chegamos lá quando ela tinha exatos 42 dias e Laurinha foi a última criança a entrar no estudo. Foi muita coincidência. Não. Na verdade, foi Deus.”
O caso de Laurinha mobilizou muita gente e as doações chegaram a somar R$ 160 mil. Porém, só de despesas hospitalares, são U$ 50 mil. “O dinheiro convertido em dólar ficou quase nada. Fora hospedagem, alimentação, transporte.” Há um mês, Gustavo largou o trabalho no Recife e seguiu para os Estados Unidos. “Eu fui só com Laurinha para Boston, mas é muito complicada essa situação com uma recém-nascida. Precisava de ajuda com ela e com as despesas. Então ele veio”, pontuo a mãe.
Laura recebeu o Zolgensma, desenvolvido pela AveXis, do grupo Novartis. Essa é primeira terapia gênica no mundo indicada para o tratamento de AME. Trata-se de uma injeção intravenosa de dose única. Como Laurinha tem respondido bem, os três já têm data marcada para retornar ao Recife, no próximo dia 25 de junho. “Ela não tem sinal nenhum de AME, mas precisa ser acompanhada. Ela teria que voltar a cada três meses para essa avaliação. Mas como não temos condições, eu combinei com a médica para voltar a cada seis meses.” Esse acompanhamento deve ser feito até a bebê completar dois anos, que é a idade limite para a doença se manifestar. “Ela está ótima, indo tudo bem. Mas por causa desse prazo eu não posso dizer que ela já está curada. Mas, para mim, ela já está.”
Para quem quiser acompanhar, assim como ajudar Laurinha com doações, um perfil no Instagram (@todoscomlaurinha) conta o dia a dia, prestação de contas, assim como relatos dos pais da bebê.
AME
A AME é uma doença hereditária e acontece quando a pessoa tem duas cópias mutantes do gene chamado de SMN1, responsável por produzir uma proteína que serve como proteção para os neurônios motores. Se uma pessoa que tem uma cópia alterada tem um bebê com outra pessoa que também tem a cópia alterada, as chances de a criança nascer com a AME é de 25%. O gene SMN2 passa a ser o único responsável pela produção da proteína, mas de forma ineficiente. E, sem a proteína, os neurônios morrem. A criança não consegue, então, desenvolver receber os impulsos para movimentar os membros e nem sustentar a coluna, causando atrofia, complicações na fala, respiração e deglutição. Estima-se que um em cada 10.000 nascidos tenham a doença. No Brasil, há cerca de 8.000 casos.
Com o sucesso do estudo, que já conta com crianças acompanhadas há cinco anos sem apresentar nenhum tipo de regressão, a FDA, agência de regulamentação de medicamentos nos Estados Unidos, autorizou em maio a venda do remédio, que leva uma cópia funcional do gene SMN humano e consegue frear o desenvolvimento da doença. Esse remédio não está disponível no Brasil. No País, pessoas com AME contam com o Spinraza, da Biogen que, desde abril, faz parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) para pacientes com AME, disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) apenas para o Tipo 1 da doença. O Ministério da Saúde estuda formas de disponibilizar o remédio também para os tipos 2 e 3, já que cada dose custa aos cofres públicos R$ 420 mil.
CONTAS
Gustavo Henrique Albuquerque de Carvalho
AG: 9324 | CC: 20079-0
CPF: 024.643.054-05
Estefânia Miguel Ferreira
AG: 1030 | CP: 0047960-6 | OP: 013
CPF: 289.831.288-60
(Folha de Pernambuco)