A pergunta deste post me ocorre de tempos em tempos, na verdade desde quando comecei a escrever com mais intensidade para públicos digitais. Me impressiona o grau de virulência com que muitas pessoas se manifestam nas redes sociais, em geral resguardadas pelo anonimato. Agiriam assim se não estivessem protegidas pelos bytes?
Os casos se repetem. Em uma mensagem falsa que se propagou na rede uma psicóloga foi “denunciada” por maltratar um gato. Em pouco tempo a página de facebook da “acusada” foi inundada por mensagens agressivas com consequências pessoais devastadoras. Nos Estados Unidos, uma adolescente se matou depois de receber mensagens destrutivas de um garoto com quem se relacionava virtualmente no Myspace. Os investigadores descobriram que o tal garoto não existia, mas era a mãe de uma ex-amiga da garota que, por inveja, buscava vingar-se dela.
No Brasil, uma jornalista recebeu ameaças de morte depois de questionar a agressividade contra mulheres em jogos virtuais. No bairro de Santa Cecília, em São Paulo, uma pessoa que sofre de esquizofrenia “ganhou” uma página no Orkut feita por vizinhos apenas para humilhá-la, inclusive com fotos. Os exemplos são infindáveis e invadiram nosso cotidiano.
SORDIDEZ
Há algo de mesquinhez nisso tudo. Algo que revela a sordidez. Recentemente vi o documentário Sal da Terra, com o fotógrafo Sebastião Salgado. Após cobrir guerras e massacres, Salgado chega à conclusão de que o ser humano é o mais violento dos animais. A agressividade nas redes talvez seja uma versão contida, preservada, encapsulada, dessa verdade, vai saber.
Se aldeia global, como se dizia da Internet em seus primórdios, as redes sociais tem também um lado de aldeia inquisitorial. Aquela da denúncia anônima. Da acusação. Da perseguição ao outro. Mas não apenas: na Inquisição vizinhos denunciavam vizinhos contra os quais tinham longas querelas, muitas vezes envolvendo interesses pecuniários. Sim, ela é uma bruxa, eu vi ela indo para a floresta à noite!, diz o bilhete apócrifo de posse dos inquisidores.
Fogueira! Joguem-na à fogueira, grita a turba de alguma aldeia da França no século XIV, enquanto o vizinho-acusador anônimo calcula que finalmente poderá avançar a cerca sobre o terreno alheio.
A agressividade na internet faz lembrar o quão (perigosamente) humanos somos. Para alívio e desgosto. Navegar nesse mundo novo virtual oferece oportunidades e riscos. Mas não significa que tudo pode, nem sob o manto do anonimato. É preciso estar atento. O outro de hoje pode ser você amanhã.