Wálter Maierovitch*, O Estado de S.Paulo
A primeira coisa que a Polícia Federal deve verificar no material apreendido com os hackers é se ele é autêntico e se não tem inserções, o que pode provar ou não se os diálogos publicados entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol são reais, se as mensagens são perfeitas. O que Moro e Dallagnol não reconheceram pode ser verificado, a partir de agora, por perícia.
Se o material é produto de crime, a Justiça terá de enfrentar a questão da prova ilícita. A primeira coisa a fazer é separar o crime decorrente da subtração das informações, com invasão de privacidade, da divulgação de mensagens do The Intercept, que tem a ver com as relações entre Moro e Dallagnol, para verificar a existência ou não de promiscuidade judiciária entre juiz e acusador. São coisas absolutamente diferentes. Não se pode olhar para só uma delas.
Terá de se decidir se a prova, ainda que ilícita, serve ou não para absolver. A orientação europeia é que o processo penal tem, por princípio, a busca da verdade real. Ele não se contenta com a verdade formal, tanto é que, na dúvida, absolve-se o réu porque ele é presumidamente inocente. Imaginemos a situação: uma interceptação telefônica ilegal flagra alguém no exterior. Verifica-se que essa pessoa está viva, mas ela aparece em processo condenatório como vítima de homicídio. Essa prova, embora ilícita, valeria ou não, sendo que há gente condenada em razão do crime? Há revisão criminal nesses casos. Estamos diante do conflito no processo penal entre a pretensão de punir do Estado e o direito subjetivo de liberdade.
Destruir as provas agora seria fraude. Não se destrói prova antes de perícia e de trânsito em julgado. É preciso fazer esse alerta. A regra é constitucional. Quem deve prevalecer no conflito entre o direito privado e o público? Evidentemente, é o público. Não é a intimidade de Moro, mas o interesse público, pois o processo penal tem por meta não deixar impunes os crimes e não punir os inocentes. Que Moro foi vítima em relação ao direito à privacidade é evidente, mas não é tudo. Deve assumir as consequências da conversas com procuradores. É preciso mostrar se o processo teve juiz imparcial e se o tratamento foi desigual para as partes. As apreensões podem levar à verdade sobre as mensagens, verificando se foram alteradas. E é preciso saber essa verdade.
* Jurista e professor de Direito Penal