Ame quem te odeia e não terás inimigos…

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Élio Gasda

O mal foi trivializado. No país da barbárie quase não se fala das cabeças cortadas em Manaus, Boa Vista e Natal. São antessalas do inferno, verdadeiras fábricas de tortura criadoras de monstros. Como definir aqueles que celebraram tamanha estupidez em um país que trata pessoas pior do que animais selvagens?

Há uma oficina que cria, incentiva e banaliza a violência. O ódio instaura-se no coração e afeta o cérebro. Este sentimento intenso de raiva, aversão e repulsa é capaz de emburrecer. Muitos definem como fascismo esta onda de intolerância que invade o cenário brasileiro. Não existe contradição entre ser fascista e ser insensato. A cultura do ódio é sintoma de desequilíbrio social. O desconhecimento da história, a desinformação e a ignorância são alguns dos mecanismos que estimulam atitudes patéticas como agredir adversários políticos em restaurantes.

A cultura do ódio está contaminando a sociedade brasileira. O ódio é fruto de um processo de ‘construção da intolerância’ que impossibilita qualquer diálogo racional. Impõe-se como um fenômeno social que vai normalizando atitudes amplamente noticiadas pela mídia. Facebook, wathsapp e outras redes sociais se convertem em canais de transmissão de elogios à intransigência e à selvageria. Manifestações de ódio político contra siglas partidárias tornaram-se corriqueiras. É normal agredir fisicamente pessoas que pensam diferente, que se vestem diferente, torcedores de times diferentes, fiéis de diferentes religiões.

Continua…

Quem odeia não tolera as divergências. O diferente deve ser aniquilado e, geralmente, de forma truculenta. Não existem adversários, todos são inimigos. O fascismo, produto da cultura do ódio, necessita produzir inimigos comuns, seja reais ou imaginários, como explica Adorno: “a propaganda fascista não ataca oponentes reais (…) mas constrói uma imagem do judeu, do comunista, para depois parti-la em pedaços, sem cuidar muito da maneira como essa imagem se relaciona com a realidade”.

 A ameaça fascita é uma realidade assustadora. O ódio semeia cadáveres. Uma escalada de ódio provocou a Segunda Guerra Mundial, os genocídios na Armênia e Ruanda, o apartheid. Odiar uma pessoa, um partido, uma religião ou uma raça, é igualar-se à Klu klux klan e aos skinheads. O ódio desumaniza aquele que odeia. Se o ódio não faz parte da natureza humana, o que o torna aceitável? Ele é um sentimento que se ensina (Mandela). Aprende-se a demonizar o outro para que ele seja considerado natural. A propaganda nazista repetia à exaustão que os “ratos judeus” eram culpados pela crise na Alemanha. Campanha baseada no ensinamento de Goebbels de repetir mentiras para torná-las verdades. Hoje a cultura do ódio se dissemina paralelamente à era da pós-verdade, do pós-jornalismo, da boataria. Seria a mídia hegemônica uma matriz do fascismo, que faz da gente comum uma massa ensandecida apoiar a violência contra presos, esquerdistas, sem terra, favelados e gays?

Como foi possível uma disseminação tão rápida desse comportamento? Quem ensina e propaga esse ódio? Ensinar a chamar uma mulher de vaca e puta e de “ordinários” os defensores de direitos humanos pode matar. O ódio está camuflado de piada, de jornalismo imparcial, arte elitizada de chargistas libertários. Violência é tema servido no café, no almoço e no jantar.

O ódio ao diferente desconhece limites, não tem escrúpulo em perseguir seus inimigos. Sua origem é o medo. Odeia-se quem se teme. “O ódio é a vingança dos covardes” (Bernard Shaw). Ou seja, revela a pequenez de uma pessoa, pois “odeia-se apenas o que está à nossa altura ou é superior a nós” (Nietzsche). Quem odeia torna-se refém do inimigo. Não liberta, não salva e não cria. Não há futuro e nem sabedoria alguma no ódio.  

As vítimas do ódio não odeiam seus agressores. São mais humanos do que eles. O ódio somente se extingue com o amor. Só o amor é humano. Só se pode crer no amor. “Jesus viveu em tempos de violência. Ensinou que o verdadeiro campo de batalha, onde se defrontam a violência e a paz, é o coração humano: Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos (Mc 7, 21). Perante esta realidade, a resposta que oferece é positiva: Amais os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam (Lc 6, 27-28). Hoje, ser discípulo de Jesus significa aderir à sua proposta de não-violência” (Papa Francisco, Mensagem para 50º Dia Mundial da Paz 2017). Amai os que vos odeiam e não tereis inimigos (Didakhé – Doutrina dos Doze Apóstolos).