Eleito terá de anunciar reformas duras ou vai manter país na crise insuportável
Amanhã vai ser outro dia. Pode não ser nesta segunda-feira, mas, em alguma feira das próximas semanas, o presidente eleito terá de entregar o peixe que vendeu na campanha. Um problemão é que os eleitores vão descobrir apenas agora o que compraram.
Qual vai ser a reação do povo se e quando souber que o próximo governo vai implementar reformas para valer? Dúvida.
Qual vai ser a reação dos donos do dinheiro grosso se não vierem tais reformas? Péssima. No mínimo, o país continuará estagnado. Qual então será a reação popular? Péssima.
A hipótese “reformas” é mais provável no caso da vitória de Jair Bolsonaro (PSL). Sua campanha, porém, tratou mais de petralhada, de corrupção, de matar bandidos e de sexo nas escolas, nas artes ou nas ruas.
O que dirá o eleitorado quando souber de reforma dura da Previdência? Quando souber que, em caso de ajuste fiscal, o aumento do salário mínimo será menor, se algum? Que seria irresponsável diminuir impostos, assim como aumentar gastos sociais?
Em maio do ano passado, 71% dos eleitores eram contra a reforma previdenciária de Michel Temer, segundo o Datafolha. No caso dos eleitores de Bolsonaro, 73% rejeitavam o projeto. O candidato tinha então apenas 15% dos votos, embora talvez esses fossem bolsonaristas “raiz”.
Em janeiro deste ano, pesquisa Ibope encomendada pelo governo indicava que apenas 14% dos eleitores aceitavam a reforma. Cerca de 70% eram contra a nova idade mínima de aposentadoria (ou seja, contra qualquer reforma, quase).
O povo acredita que o maior problema do INSS é a corrupção (75%, segundo pesquisa Ipsos para a FenaPrevi, de junho deste ano). Aliás, não apenas no INSS. Sem corrupção e privilégios para “marajás”, haveria dinheiro para tudo. Não haverá, nem de longe.
O povo poderá mudar de ideia sobre Previdência, por exemplo, caso Bolsonaro baixe o sarrafo legal nos bandidos? Ou o povo já teria mudado de ideia, sendo a rejeição à reforma apenas uma contaminação do governo de Michel Temer?
O povo não é massa de comportamentos unívocos, decerto. No ano passado, pesquisa Datafolha mostrava que “a homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade” para 74% dos eleitores. Ou seja, no mínimo metade do eleitorado de Bolsonaro no primeiro turno era dessa opinião.
Para 73%, porém, “adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como adultos”. Para 70%, imigrantes pobres “contribuem com o desenvolvimento e a cultura da cidade”.
Para 63%, “o governo tem o dever de ajudar grandes empresas nacionais que corram o risco de ir à falência”. Para 76%, “o governo deve ser o maior responsável por investir no país e fazer a economia crescer”. Nos números frios, o eleitorado não parecia muito simpático a reformismos liberais.
Pode ser que Bolsonaro procure aprovar tanto reformas econômicas quanto leis que facilitem o armamento civil, o encarceramento de criminosos juvenis e o confronto policial armado. Parece ser seu plano. Resta saber se terá bastantes recursos políticos, que também são escassos.
Pode ser que desista de reformas quando sentir a pressão, de empresários protecionistas à opinião do povo miúdo, como tem feito, ao menos da boca para fora.
Se tomar esse rumo na encruzilhada, não haverá reviravolta positiva de ânimos e ritmo na economia. Se pegar a estrada das reformas, terá de dizer a muitos eleitores que eles pegaram o ônibus errado. (Vinicius Freire Leite)