Por: Paloma Oliveto/Correio Braziliense – Médicos e cientistas reagiram com otimismo à publicação de um artigo que relata o retardo do declínio cognitivo em pacientes com Alzheimer inicial pela substância donanemab. Em um estudo de fase 3, os pesquisadores, financiados pela farmacêutica Eli Lilly and Company, verificaram que, em comparação ao placebo, pessoas com níveis baixos a intermediários da proteína tau no cérebro tiveram uma progressão 35% mais lenta no avanço de sintomas associados com a perda da memória e a habilidade de executar tarefas do dia a dia. Em outro teste, a redução foi de 36%.
Embora o percentual seja significativo, os números não são tão impactantes quando traduzidos para o resultado de mais de 1,7 mil pessoas em um teste cognitivo padrão, o iADRS (sigla em inglês para Alzheimer’s Disease Rating Scale), com pontuação de zero a 144. Em um ano e meio, os pacientes sob o medicamento perderam seis pontos no teste. Já no grupo placebo, houve uma queda média de nove pontos. Essa, entre outras razões, levou os especialistas a comemorarem o resultado, porém de forma cautelosa.
“É importante ressaltar que donanemab não melhora os sintomas, mas retarda a deterioração”, destaca Paresh Malhotra, neurologista do Imperial College London, na Inglaterra. “Também nota-se que a droga parece ser mais eficaz em estágios iniciais da doença. E embora o efeito seja descrito como sendo de cerca de um terço, ele consiste, em média, em uma diferença de cerca de três pontos em uma escala combinada de pensamento e atividades diárias de 144 pontos.”
Contudo, Malhotra diz que, “no geral, é uma boa notícia”. “Ter medicamentos que retardam a progressão é um passo muito, muito significativo. Deve encorajar os pesquisadores a desenvolver e testar mais tratamentos e ajudar a mudar a maneira como todos pensamos sobre a doença de Alzheimer”, considera.
Placas no cérebro
Assim como a substância lecanemab, aprovada pela agência regulatória norte-americana Food and Drugs Administration (FDA) neste mês, o donanemab é um anticorpo monoclonal e ataca placas no cérebro feitas de uma proteína chamada amiloide. Esses depósitos destroem as funções celulares e levam ao rápido espalhamento de outra proteína, chamada tau. Ambas contribuem para o desenvolvimento da doença.
Publicado nesta segunda-feira (17/07) na revista Jama, o estudo de fase 3 sobre a eficácia do donanemab demonstrou que a substância faz uma faxina melhor no cérebro, comparado às duas antecessoras, com uma redução de 88% das placas amiloides em 76 semanas. Já a proteína tau, que causa emaranhados no cérebro, não teve redução significativa, de acordo com o artigo.
Em um editorial também publicado na revista Jama, Gil Rabinovici, diretor do Centro de Pesquisa da Doença de Alzheimer na Universidade da Califórnia, San Francisco, reconheceu as limitações da droga, mas disse que substâncias como o donanemab estão “abrindo um capítulo em uma nova era de terapias moleculares para o Alzheimer e distúrbios neurodegenerativos associados”. O médico destaca a necessidade de medicamentos para pessoas no estágio avançado da enfermidade — até hoje, nenhum experimento conseguiu beneficiar esse público.
Na opinião de Giles Hardingham, diretor interino do Instituto de Pesquisa de Demência do Reino Unido, é preciso avançar também sobre outros mecanismos que levam ao desenvolvimento do Alzheimer. “Esperamos muito tempo pelos tratamentos. Por isso, é realmente encorajador ver um progresso tangível continuando a ganhar ritmo no campo”, diz. “Ao mesmo tempo, o amiloide é apenas uma parte do quadro complexo da doença de Alzheimer. No instituto, também estamos realizando pesquisas de descoberta vital sobre mecanismos adicionais de doenças neurodegenerativas. Esperamos que isso acabe levando a um conjunto de opções de tratamento personalizadas, dependendo do tipo e estágio de demência da pessoa.”
Inchaço e sangramento
Assim como os dois medicamentos anteriores, o donanemab foi associado a um efeito colateral grave (embora reversível) chamado Aria, que consiste em inchaço e pequenos sangramentos no cérebro. A forma séria da condição afetou 3,7% dos pacientes, causando a morte de três deles. O risco é maior entre aqueles com a versão 4 do gene APOE. Por isso, Gil Rabinovici defende a testagem genética antes de se optar por um tratamento à base de anticorpos monoclonais.
Mesmo com a aprovação da FDA, o que deve ocorrer em breve, a terapia é para poucos. Nos Estados Unidos, o valor do tratamento anual com o aducanumab é estimado em US$ 56 mil. O lecanemab tem custo menor, mas também alto: US$ 26,5 mil por ano.
Palavra de especialista: sem grande inovação
Há 20 anos que só temos drogas sintomáticas, aquelas que melhoram um pouco os sintomas, mas não retardam o avanço da doença. O que se tem buscado são terapias que mudem o curso da doença, retardando o avanço de maneira significativa. O donanemab é uma terapia anti-amiloide. Combater a formação das placas amiloides diminui o avanço da doença. Em relação às antecessoras, a nova droga não traz nenhuma grande inovação, embora tenha algumas qualidades adicionais. Uma coisa fundamental: todas as pessoas avaliadas são de fase inicial ou antes de aparecer a doença. O remédio não serve para quem tem a doença de fase moderada para frente, o que é a maioria dos pacientes. É um remédio com eficácia modesta, com efeitos colaterais importantes e que, provavelmente, vai chegar ao Brasil com um custo altíssimo, na casa dos centenas de milhares. Mas é mais um passo no avanço das pesquisas e no desenvolvimento de fármacos que, um dia, vão chegar a uma melhora substancial na doença de Alzheimer.”
Otávio Castello, geriatra e professor de psiquiatria e psicologia médica da Universidade de Brasília (UnB)