Por Paulo Trigueiro
e Lourenço Gadêlha
O produtor publicitário Fernando Pimentel acredita que as pessoas vão se respeitar mais se houver mais possibilidade de alguém ter acesso a um revólver. “Você vai pensar duas vezes antes de bancar o fortão, de bater em uma mulher, de ofender um homossexual. Mesmo que seja pelo medo”, opinou. Complementa, ainda, afirmando que o Estado tirou as armas que serviriam como proteção da população, mas não dos criminosos.
Pimentel frequenta esporadicamente uma escola de tiro na Imbiribeira, na Zona Sul do Recife. De acordo com o proprietário do local, a Associação de Tiro e Caça Recife Pistol, Alan Rommel, a procura nunca acabou, mas aumentou ligeiramente desde a vitória do atual presidente. “Está havendo uma procura maior porque o assunto está em evidência. Enxergo que, quando o assunto cessar, volta à normalidade”, analisou o empresário.
Rommel supõe que “o uso correto do equipamento pode frear o aumento da violência. Mas a arma em si não vai resolver o problema da segurança pública, pois ninguém compra arma para vigiar boca de fumo”, criticou.
Para Rommel, Bolsonaro tirou o poder do delegado federal em decidir sobre emitir ou não a posse de armas. “E isso acabou com o bloqueio ideológico. Agora ele vai ter que cumprir a lei. A pessoa preencheu os requisitos, ele será obrigado a liberar”.
O médico Rodrigo Floro é atirador. Ele lembra como era difícil conseguir a licença. “Mesmo preenchendo todos os critérios, a gente ficava à mercê da decisão do delegado federal.” Rodrigo acredita que a arma é necessária porque dificulta o crime. “Com a possibilidade uma pessoa estar armada, eu acredito que certos ocorrências diminuirão”. De acordo com a Polícia Federal, 14 instrutores de armamento e tiro são credenciados em Pernambuco. A RMR conta com 5 clubes de tiro.
Efeitos colaterais
Os efeitos colaterais de ter uma arma, contudo, podem ser trágicos. “Primeiro, uma população que fura sinal não pode ter arma. E, mesmo que haja uma avaliação psicológica rigorosa, o contexto da pessoa pode mudar. Em dez anos ela pode perder alguém, entrar em depressão, descobrir um transtorno”, explicou a doutora no assunto pela Ufes, Andreia Nascimento. “A psicologia mostra que alguns comportamentos são previsíveis. Uma briga de pessoas que beberam quando há uma arma em casa não pode terminar bem.”
O feminicídio é um crime desses. Com frequência é anunciado, por um homem possessivo que não tem acesso, ainda, a uma arma. “O feminicídio entra em quatro paredes, é silencioso. O agressor não é como traficante, que a polícia identifica e prende”, conta a deputada estadual (PSB) Gleide Ângelo.
A psicóloga explica, ainda, que a segurança que a arma traz está no imaginário das pessoas, ou seja, é algo construído, mas não necessariamente real. “São pessoas como eu, que não têm condições nem intenção de manusear um revólver, que ficam vulneráveis.”
A percepção da doutora reflete a opinião do secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, tanto em prever a incapacidade de autodefesa frente aos criminosos quanto em supor homicídios por questões banais ou motivadas por emoções. Mesmo se a pessoa passar por avaliações sérias.
Um policial militar reformado assassinou Mário Lima, 17, por ter esbarrado em sua moto. O assassino foi condenado a 28 anos de prisão em novembro último.
“Se uma pessoa com a responsabilidade de nos dar segurança se sente o dono do mundo por ter uma arma e tira a vida de alguém, imagine uma pessoa que não tem essa responsabilidade e tem a mesma arma?”, questiona Joelma Lima, mãe de Mário. “Sou contra, porque depois do tiro fica o medo, nada mais. Minha vida perdeu sentido depois que mataram meu filho.” Em dezembro, um policial militar matou o próprio filho em casa durante uma discussão com a mãe no bairro do Cordeiro.
“Lidar com o Outro nunca é fácil”, inicia o psicanalista Carlos Santos, sobre o porquê da necessidade de possuir uma arma. “Há uma complexidade no contato entre as pessoas. E elas se sentem ameaçadas com a proximidade dele. O Brasil acentua a diferença entre as pessoas, sob um socialismo identitário, que define cada classe e cada grupo. Acentua a diferença e a ameaça.”