A quem interessa a criminalização da maconha?

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Artigo escrito pelos professores e sociólogos Victor Rodrigues e Ricardo Santana

Os dois colegas escreveram o artigo de opinião, em um debate público, para fazer o contra-ponto ao texto assinado pelo colega Roberto Numeriano, publicado nesta semana pelo blog.

“A diferença entre o remédio e o veneno é a dose” (Paracelso)

Em artigo de opinião intitulado “A maconha e seus apologistas”, publicado no último dia 23 de fevereiro, o professor, cientista político e ex-candidato ao governo de Pernambuco e à prefeitura do Recife pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Roberto Numeriano, se diz contrário à liberação da maconha para uso recreativo.

Continua…

Por tratar-se de um tema com inúmeras implicações, acreditamos que o debate público em torno da descriminalização da maconha precisa ser feito com responsabilidade e cautela, sempre tomando como base as pesquisas sérias produzidas no campo acadêmico (ciências médicas e sociais) e o debate acumulado no campo dos movimentos sociais. Não é o que Numeriano faz. Vejamos.

No início do texto, Numeriano afirma que, durante uma campanha eleitoral na qual foi candidato ao governo de Pernambuco, posicionou-se contrário “à liberação da maconha para o dito “consumo recreativo” (belo eufemismo)” (sic). No parágrafo seguinte, no entanto, diz: “não sou contrário à liberação da maconha por mim mesmo” (sic).

Quanta confusão! O autor diz, ainda, ter amigos que fazem uso da maconha, mas que não os julga moralmente (será mesmo?) e, pasmem, Numeriano consegue o absurdo contorcionismo de agrupar temas desconexos como orientação sexual, consumo de drogas e deficiência física numa mesma frase: “acho ridículo esse negócio de se dizer “amigo” de gay, de maconheiro, de cadeirante etc, como se isso demonstrasse que você é liberal” (sic).

Mais adiante, Numeriano diz que a liberação do consumo da maconha não afetará o tráfico de drogas, pois este argumento seria “um dos maiores embustes ideológicos que se propaga nas redes sociais. E muito irresponsável, social e cientificamente” (sic). A cereja do bolo, no entanto, é quando o autor, buscando amparo no argumento de autoridade de supostas pesquisas científicas realizadas nos EUA (?), diz que o uso da maconha permite a “ativação/potencialização de psicopatias” (sic).

Numeriano parece ignorar que as substâncias psicoativas, arbitrariamente classificadas como drogas legais ou ilegais, sempre fizeram parte da história da humanidade. Numeriano fala em responsabilidade social, mas esquece que a proibição do consumo de maconha é irmã siamesa da criminalização da pobreza. Esquece que a criminalização do uso recreativo da maconha tem cor e classe social bem definidos.

Esquece que a maioria dos usuários que são presos ou sofrem perseguições da polícia pertencem à mesma classe trabalhadora que Numeriano buscou representar quando candidato. Numeriano esquece que a política de “guerra às drogas” produz a superlotação dos presídios e reforça o aumento da violência. Além disso, a manutenção da criminalização da maconha prevê que o possível viciado seja tratado como caso de polícia e não como caso de saúde pública.

Por fim, o arsenal de argumentos infundados, preconceituosos e, sobretudo moralistas, mobilizados por Roberto Numeriano só serve para promover a desinformação generalizada acerca do tema e reproduzir o caótico status quo vigente. A quem interessa? (Blog Jamildo)