Por Márcio de Freitas*– Bandeira do Brasil jogada sobre os ombros e envergando a camisa amarela da seleção canarinho, o coach Pablo Marçal reuniu público estimado em 15 mil pessoas para compor o cenário de fundo à imagem de lançamento de sua candidatura presidencial. Estética bolsonarista com pitadas de autoajuda, o ato prova que em política tudo se copia. Era primeiro de maio. O ex-presidente e ex-sindicalista Lula estava a quilômetros dali, numa vazia praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu. O presidente Jair Bolsonaro evitou subir em palanques e desfilou por uma Brasília tranquila e pacata na superfície, longe do contingente maior registrado na Avenida Paulista.
As imagens contrastam com os números das pesquisas em que Lula e Bolsonaro carreiam multidões, tendo atrás deles um deserto de eleitores, onde se perde de vista a terceira via. Neste cenário, Pablo Marçal inexiste como realidade perceptível. Então, por que Lula e Bolsonaro não conseguiram colocar nas ruas as pessoas que lhes prometem os votos em outubro enquanto o coach atrai milhares? Há cansaço com a polarização ou a mobilização não atrai mais o eleitor neste momento? Pode haver algo a mais no ar do que os caros aviões de carreira?
Difícil responder às questões no estranho lugar que se transformou o Brasil, antigamente um país do futuro, mas que caminha para uma eleição onde, primeiro, um candidato fala de seus feitos passados com nostalgia eletiva e, segundo, o outro aponta a miragem mais distante do regime militar como tempo paradisíaco.
O saudosismo confesso dos candidatos está de costas para as preocupações que se nota nas ruas com o futuro, corroído pela inflação e os juros altos. A lacuna eleitoral deste ano ainda não foi devidamente ocupada, e talvez isso não mobilize nem faça brasileiros de qualquer crendo político se moverem do cético sofá. É melhor assistir Leonardo de Caprio no Titanic pelas telas do que os riscos das ruas, mesmo com título de eleitor. O passado não remove montanhas nem soluciona os problemas do povo; serve de retórica, ferramenta de desconstrução e arma de ataque reputacional.
Exemplo de como se faz essa narrativa destruidora é lembrar o passado do coach Pablo Marçal. Especialista em motivação no YouTube e em palestras bem pagas, ele guiou grupo de 32 pessoas por caminhada na Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo. Guiou-os para o resgate, pois não sabia onde estava nem como voltar de sua aventura. Precisou mobilizar as forças militares para o salvamento. Agora, se propõe a guiar o país…
Os fenômenos virtuais ocupam mídia alternativa, se reproduzem e tomam nas redes a via natural das lideranças políticas. Revelam o vazio na comparação com as tradicionais raposas políticas. O sempre elogiado presidente do PSD, Gilberto Kassab, poderia ser comparado ao coach nesta trilha que se embrenhou para tentar criar um candidato ao Palácio do Planalto: se perdeu, sem encontrar até agora o resgate. Guiou o senador Rodrigo Pacheco, depois Eduardo Leite e Paulo Hartung… e ficou só.
Não foi por desejo ou culpa direta do próprio Kassab, um descendente do povo fenício — grandes mercadores e vendedores de tudo desde a antiguidade, de temperos a sonhos. É que as máquinas partidárias se ensimesmaram dentro do desenho legal tecido como se fosse um manto de Penélope, para nunca serem terminadas. Os partidos criaram critérios voltados para si mesmos dentro da lógica de que terão mais acesso a recursos públicos dependendo de quanto mais deputados elegerem… então, para que ter candidato a presidente? Doria, Simone, Leite? Alô, Kassab!
A esperteza do desenho devorou os políticos que sonham com o poder maior, a Presidência da República. Basta lembrar que Bolsonaro se elegeu sem partidos fortes, apenas o então minúsculo PSL. Desde então, essa tendência se radicalizou.
O povo procura uma esperança de futuro, um auxílio para chegar ao fim do mês, um gás de autoajuda para cozinhar enquanto os políticos se voltam para si mesmos. O coach hoje parece uma miragem perdida em Barueri, mas é bom lembrar do aventureiro que começou a falar em cervejarias de Munique antes de mudar para pior a face do planeta no século passado. A desconexão entre políticos e povo é sempre trágica para a democracia.
*Analista político da FSB Comunicação