A cada 45 dias, uma criança adotada é ‘devolvida’ no país…

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Veja

Nas últimas semanas, dois casos chamaram a atenção da imprensa no Distrito Federal e em Santa Catarina. No primeiro, a Justiça determinou que uma mulher deveria pagar 100.000 reais de indenização por devolver uma criança de seis anos ao abrigo, após cinco anos de convívio. No segundo, o tribunal catarinense negou o pedido de um casal que não queria arcar com o tratamento psicológico de uma criança de sete anos de cuja adoção eles desistiram no meio do caminho. As duas histórias não são rotineiras no noticiário do país, mas são mais comuns do que se pensa. Em média, a cada 45 dias uma criança adotada retorna para a guarda judicicial, ou seja, é reinserida no Cadastro Nacional de Adoção. Foram registrados 130 casos desde julho de 2008 – quando o cadastro foi criado -, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obtidos pelo site de VEJA.

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Mas o que leva um casal a querer devolver uma criança adotada depois de um processo que envolve espera e enorme expectativa? Para a promotora Helen Sanches, especialista em convívio familiar, a desistência é resultado da falta de preparo dos futuros pais. “A criança adotada tem uma história de vida, de violência e sofrimento, o que vai tensionar a fantasia dos pais com relação a ela. Se a pessoa não estiver preparada, no segundo ou no terceiro problema a ideia de que o filho é adotado vai assumir um peso excessivo para ela”, diz.

A psicanalista Maria Luiza Ghirardi, que tem um mestrado sobre o tema, aponta como estopim da crise de convivência a maneira como os pais lidam com os temores sobre a origem da criança – especialmente as incertezas sobre os pais biológicos. “Se os pais não conseguirem assimilar a criança, colocando-a no imaginário na condição de filho, ela vai ser sempre vista como coisa que não pertence a eles e que, por isso, pode ser devolvida”, disse.

O Cadastro Nacional de Adoção, onde se inicia o processo adotivo, é uma ferramenta digital que auxilia os juízes da Vara da Infância e Juventude em todo país e onde estão registrados os perfis das crianças à espera de adoção, assim como os pais pretendentes. No cadastro, são registradas informações como as características dos filhos que os casais pretendem adotar, como idade, cor da pele, se aceitam necessidades especiais ou irmãos. Por meio do cruzamento de dados, o Cadastro Nacional consegue encontrar perfis que sejam compatíveis. Depois disso, o pretendente – que já realizou e foi aprovado em entrevistas com psicólogos e assistentes sociais – faz um curso de preparação, para então iniciar um estágio de convivência, cujo período é determinado pelo juiz. Nessa fase, os futuros pais visitam a criança e passam algumas horas com ela todos os dias. Terminado o estágio, o juiz chancela a adoção, que é irrevogável.

No entanto, apesar do caráter definitivo, a Justiça acata algumas exceções e opta pela devolução sob o argumento de preservar o bem-estar da criança. Isso porque, em um lar onde há rejeição, os traumas vividos – não só emocionais, mas também físicos, já que a negação pode resultar em maus-tratos – podem ser maiores do que se ela tiver a oportunidade de encontrar outra família. “Se os pais adotivos estão renegando o filho, deixar a casa pode ser benéfico”, diz a psicanalista Maria Luisa.

Há três tipos de desistência analisadas pela Justiça: 1) ainda durante o período de estágio, porque a adoção ainda não aconteceu e o recuo é previsto em lei; 2) após a adoção, quando o registro de nascimento já foi alterado para o nome dos pais adotivos, e nesse caso os pais respondem por abandono de menor; e 3) quando menores são acolhidos por um parente dos pais biológicos, que depois desiste da responsabilidade. Nesses casos, o parente não é responsabilizado judicialmente, mas o menor deve ir para um abrigo quando a Justiça descobre o caso. “Não se pode processar essa pessoa porque ela não acionou o conselho tutelar para pedir a adoção”, diz Helen Sanches.

As crianças que enfrentam a rejeição podem desenvolver problemas emocionais e outras não conseguem uma segunda chance. “Os prejuízos estão na diminuição de confiança da criança, dificuldade de estabelecer novos vínculos e de receber amor”, diz a psiquiatra Maria Luisa.

Mas há casos mais felizes. Em dezembro do ano passado, uma menina de seis anos encontrou o casal Cibele e Diogo Vogel, em Brasília. Dois anos antes, a menina e o irmão haviam sido adotados por outra família, que decidiu ficar com o menino e devolver a menina. “Ela é muito falante, muito carinhosa. Foi uma experiência surpreendente, porque a adaptação dela foi muito tranquila. E nós não enfrentamos resistência”, diz Cibele. Os irmãos se encontram quinzenalmente. E qual a lembrança que a menina guardou dos primeiros pais adotivos? “São como tios distantes”, diz a nova mãe. (Veja)