Crise interna e disputa judicial colocam futuro do MDB-PE em xeque para 2026

Do Jamerson Mendes/LeiaJá – As disputas constantes e recentes envolvendo atores políticos de alas distintas dentro do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em Pernambuco têm alimentado um clima de incerteza sobre o futuro da sigla para as eleições de 2026. A judicialização de processos internos, especialmente relacionados à eleição da executiva estadual, tornou-se o novo capítulo de uma crise que já vinha se desenhando nos bastidores e que agora atinge o centro das articulações partidárias.

O embate ganhou força após a convenção estadual realizada em 24 de maio, que reconduziu Raul Henry à presidência do MDB-PE. A vitória, no entanto, foi contestada por dirigentes municipais — entre eles os de Paulista e Bodocó — que alegaram descumprimento do estatuto partidário, falta de isonomia e convocação tardia dos delegados aptos a votar. A ação judicial movida por esses grupos resultou na anulação da convenção em primeira instância, acirrando ainda mais os ânimos dentro da legenda.

Em meio ao cenário de incerteza, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) concedeu um efeito suspensivo à decisão que havia invalidado a convenção, restabelecendo provisoriamente a eleição de Raul Henry até o julgamento de mérito. A decisão funcionou como uma vitória momentânea para o grupo alinhado ao ex-deputado, mas não foi suficiente para pacificar o partido, que segue dividido em dois blocos com projetos políticos distintos para 2026.

De um lado, Raul Henry e seus aliados vêm defendendo a reaproximação com o PSB, especialmente com o prefeito do Recife, João Campos. Do outro, o deputado estadual Jarbas Filho lidera uma ala que mantém diálogo com a governadora Raquel Lyra (PSD) e busca reposicionar o MDB como uma força mais independente no tabuleiro estadual. A convivência dessas duas visões — uma mais próxima do campo socialista, outra mais alinhada ao partido de Lyra — tem dificultado a construção de uma identidade comum, tem trilhado por um lado um caminho divergente do que o partido vinha percorrendo há pouco mais de uma década e alimentado a sensação de ruptura iminente.

Diante desse quadro complexo, repleto de tensões internas, divergências estratégicas e decisões judiciais que mexem com o comando partidário, o LeiaJá conversou com um cientista político para avaliar os impactos dessa disputa no desempenho do MDB-PE e nas articulações para as eleições de 2026.

Uma disputa estrutural

Moderado e politicamente ativo nas articulações e decisões do estado, o MDB carrega uma trajetória marcada por embates internos que atravessam gerações. Segundo o cientista político da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Elton Gomes, esses conflitos não se resumem a disputas momentâneas pelo comando da sigla, mas expressam raízes estruturais que moldam seu funcionamento.

Ele lembra que, historicamente, o MDB em Pernambuco já enfrentou divergências profundas, mesmo em períodos de maior força política. “Na era Jarbas, quando o partido governou Pernambuco e alcançou influência por décadas, já era evidente o surgimento de facções internas disputando o comando”, recordou.

Por reunir perfis políticos diversos — frequentemente descrito como um partido “guarda-chuva”, capaz de abrigar lideranças de distintas tendências e posicionamentos —, o novo conflito expõe aquilo que Gomes caracteriza como uma “tendência estrutural” da legenda. Em outras palavras, não se trata apenas de conjunturas específicas, mas de um padrão que se reproduz ao longo do tempo.

Sobre a atual mobilização interna, o cientista político explica que o comportamento das bases municipais e a ida do caso à Justiça ilustram esse fenômeno de forma evidente: “É uma tendência que se revela na mobilização dos diretórios municipais e na própria judicialização da disputa, o que evidencia o grau de fragmentação e as dificuldades de reconciliação.”

Judicialização dos conflitos internos

Discorrendo sobre os desdobramentos após a convenção de maio, o atual presidente do MDB em Pernambuco, Raul Henry, afirmou ao LeiaJá que todo o processo eleitoral ocorreu de forma regular.

Nós vencemos sem nenhuma contestação dos perdedores. Muito pelo contrário, reconheceram a nossa vitória. Essa judicialização é lamentável, mas temos plena confiança que a Justiça vai reconhecer o resultado que toda a opinião pública já conhece, destacou.

Ao comentar sua defesa pública da aliança com João Campos e o PSB, Henry resgata o histórico conjunto das legendas. “A aliança entre o MDB e o PSB foi feita entre Jarbas e Eduardo Campos. De lá para cá, me elegi vice-governador, Jarbas se elegeu senador e o próprio Jarbinhas se elegeu deputado estadual dentro dessa aliança. Ocupamos espaços administrativos e lideramos um projeto de reconhecimento internacional, que foi o Compaz”, afirmou. Para ele, romper esse alinhamento “não teria justificativa”.

LeiaJá procurou deputado estadual Jarbas Filho para comentar o tema e apresentar sua avaliação sobre o momento vivido pelo MDB-PE. Até o fechamento desta matéria, porém, não obtivemos retorno. Também buscamos contato com o diretório municipal de Bodocó, um dos autores da ação que questionou a convenção. A resposta enviada à reportagem foi de que o presidente preferiu não se pronunciar, por entender que uma manifestação pública poderia acirrar ainda mais a divisão interna da legenda.

Discorrendo sobre os efeitos da judicialização, o cientista político Elton Gomes destacou que a restituição provisória da presidência de Raul Henry produz efeitos ambíguos nas dinâmicas internas do partido. De um lado, fortalece a ala que reconhece sua legitimidade; de outro, alimenta questionamentos que podem prolongar a instabilidade. Para Gomes, a judicialização amplia desgastes e “reduz a capacidade dos partidos de resolverem suas pautas de maneiras ordinárias, domésticas”, criando obstáculos para projetos de longo prazo.

Eleições e impactos no tabuleiro de 2026

Na avaliação do cientista político, o primeiro impacto do racha será sentido na construção dos palanques para 2026. “Uma casa dividida contra si tende a enfraquecer”, sintetizou. Ele alerta que, se as disputas internas se aprofundarem, o MDB pode perder atratividade para potenciais candidatos — tanto nas chapas proporcionais quanto nas majoritárias — e dissipar sua influência nas negociações estaduais. “Ou seja, a essa divisão, essa cisão, esse cisma também pode acabar desabrochado numa disputa que acaba por enfraquecer o partido eleitoralmente”, avaliou.

“O que dificultaria, em tese, a apresentação de uma candidatura forte em torno da qual se construísse algum nível de consenso — tanto consenso quanto é possível no MDB, naturalmente — para o governo ou para o Senado em 2026, considerando que as pesquisas têm indicado uma performance eleitoral muito robusta do prefeito do Recife, João Campos”, asseverou.

Ao analisar as disputas entre os dois principais nomes colocados para a disputa estadual, João Campos e Raquel Lyra, Elton Gomes observou que a ala política liderada por Henry tende a ganhar ainda mais força diante do favoritismo do prefeito do Recife apontado pelas pesquisas. Esse cenário, segundo ele, produz duas correntes de pensamento que hoje dividem o partido: a aposta em uma vitória, em teoria, com folga ao lado de João Campos ou a estratégia de permanecer próximo ao governo estadual para usufruir dos benefícios da máquina administrativa até o período eleitoral.

Movimentos do MDB nacional para contornar o problema pernambucano

Em Brasília, o MDB nacional também acompanha o impasse de perto. Neste mês, o senador Fernando Dueire e o deputado estadual Jarbas Filho se reuniram com o presidente nacional da sigla, o deputado federal Baleia Rossi (SP), para discutir alternativas de reorganização do partido no Estado. O encontro ocorreu após a decisão judicial que anulou a convenção e reacendeu a disputa pelo comando estadual. O núcleo jarbista defendeu a recomposição interna e a garantia de representatividade dos diretórios municipais, vista como essencial para restabelecer a legitimidade da direção partidária.

O episódio recolocou o MDB-PE no centro do jogo político, especialmente por sua posição estratégica para 2026 — tanto para alianças com a governadora Raquel Lyra quanto com o grupo do prefeito João Campos. A sigla, historicamente decisiva no estado, vive agora a necessidade de recompor pontes para evitar prejuízos eleitorais.

Diante do cenário, Raul Henry afirmou demonstrar confiança em uma saída negociada. Ele destaca que acredita na superação das divergências e na construção de uma estratégia comum para ampliar a presença do partido. “Com unidade política, em 2028, iremos ampliar também o número de prefeitos”, afirmou.

Caminhos para coesão

Ao abordar a questão mais ampla da coesão partidária, Elton Gomes foi categórico sobre a natureza complexa e histórica das tensões internas do MDB. Para ele, as divergências fazem parte do próprio DNA da sigla e dificilmente serão eliminadas. Ainda assim, o partido tem mostrado, ao longo de décadas, capacidade de construir consensos mínimos quando a sobrevivência institucional está em jogo. Segundo ele, é nesse terreno — e não no de uma unidade plena — que reside o caminho possível para 2026.

Em um ambiente eleitoral que tende a ser dominado por duas forças — o campo socialista liderado por João Campos e a base governista de Raquel Lyra —, o MDB-PE precisa reavaliar qual espaço deseja ocupar. O racha interno, embora profundo, ainda permite saídas políticas que preservem o protagonismo da sigla, desde que haja disposição para pactos minimamente funcionais.

Ao mesmo tempo, o desgaste provocado pela judicialização abre uma janela de risco: se não houver recomposição, a legenda pode reduzir sua competitividade e perder espaço em um pleito em que alianças serão determinantes. Resta ao MDB, portanto, equilibrar tradição, pragmatismo e renovação para evitar que a crise atual comprometa de forma irreversível seu desempenho em 2026.