Chapa, Chapinha e Chapão…

Por Maurício Costa Romão

Chapão

O chapão proporcional tem uma vantagem indiscutível: fica sempre com a maioria das vagas do Legislativo, devido à significativa somatória de votos do conjunto dos partidos componentes.

Por exemplo, em 2014, em Pernambuco, o chapão do PSB ficou com 18 das 25 vagas da Câmara Federal (72% das vagas), e com 26 das 49 vagas da ALEPE (53% das vagas).

Outra vantagem: o método das maiores médias privilegia as grandes votações, como são aquelas do chapão, durante o processo de partição de sobras.

Ilustrando: em Pernambuco, em 2014, o quociente partidário (QP) do chapão para deputado estadual foi de 24,901 (24 parlamentares eleitos diretamente e sobra de votos de 0,901). Na distribuição das sobras o chapão ficou com 2 das 4 vagas disputadas por média, elegendo ao final 26 deputados estaduais.

Algo semelhante ocorreu na eleição para federal. O chapão do PSB teve QP de 16,904 e ficou com as duas vagas que foram disputadas por média, terminando o pleito com 18 deputados eleitos.

Nem tudo que reluz é ouro e a desvantagem do chapão para as siglas componentes é a concentração de eleitos em poucos partidos e, principalmente, no partido-mãe: das 18 vagas ganhas pelo chapão para federal, o PSB ficou com 8, e para estadual, das 26 os socialistas abocanharam 15.

É absolutamente impróprio e, sobretudo, injusto, jogar pedras no PSB por ficar com a maior parte das vagas legislativas. Se o PSB não tivesse liderado o chapão e saísse sozinho, teria elegido 9 deputados federais, ao invés de 8, e 18 estaduais, ao invés de 15.

Por conta da mencionada concentração, é comum certo grupo de partidos do chapão servir apenas de cauda. Por exemplo, em 2014, das 15 siglas componentes do chapão para federal, 7 delas não elegeram ninguém. Para estadual foi menos: das 10 siglas aliadas somente três não tiveram assento na ALEPE.

E o óbvio ululante: a densidade eleitoral dos candidatos do chapão é sempre elevada, o que assusta os candidatos individualmente, aqueles de votações medianas.

Apenas à guisa de exemplo: a média de votos dos eleitos no chapão para federal em 2014 foi de 138.251 votos, e somente 4 candidatos dos eleitos tiveram menos de 100 mil votos (a menor votação foi de 85.053 votos).

Tirando as exuberantes votações de Dudu, Pastor Eurico e Jarbas (os valores extremos afetam a média), ainda assim, a média de votos dos eleitos foi bastante alta: 116.247 votos.

Na ALEPE, os eleitos do chapão tiveram média de 58.585 votos. Sem a votação de Adalto, a média vai para 54.573 votos. A menor votação foi de 41.140 votos.

Continua…

Chapa inteligente

Na eleição de 2014 para federal em Pernambuco a chapa PSDC / PTN / PRP / PSL / PHS / PRTB pode ser chamada de chapa inteligente. Nenhum candidato tinha expectativa de votos acima de 30 mil, embora alguns esperassem mais de 20 mil votos.

Se os partidos componentes dessa chapa fossem se aliar a chapas mais fortes, serviriam apenas de cauda e muito provavelmente não elegeriam ninguém. Juntos, entretanto, tiveram 237.830 votos. Superaram o QE de 179.328 votos, elegeram um candidato com 28.585 votos e ainda entraram na disputa de sobras com 58.501 votos.

O objetivo da inteligente estratégia foi juntar as relativamente baixas votações individuais com o propósito delineado de ultrapassar o QE. Feito isso, conseguiram entrar no seleto condomínio das altas votações (a média geral dos eleitos para federal foi 127.249 votos) com candidatos com menos de 30 mil votos.

Um exemplo hipotético (não mais que isso, apenas para maior ilustração) de uma chapa inteligente: imagine a união de PV, PTN, PRTB e PSDC agora em 2018 para estadual. Nenhum candidato desses partidos tem expectativa de chegar a 30 mil votos, embora haja candidatos com boas votações.

É possível a esse conjunto, mantida a quantidade de votos conquistada em 2014, eleger um deputado com qualquer votação (por exemplo, no entorno de 20 mil votos) e ainda ficar com sobras razoáveis (36.639 votos, considerando um QE de 90 mil votos), com alguma chance de eleger outro, com votação mais baixa ainda.

Saíssem dispersos, apenas compondo alianças mais fortes, muito possivelmente não elegeriam ninguém e apenas emprestariam suas votações à eleição de outros.

Sobras

É uma ilusão pensar que a nova abertura propiciada pela reforma eleitoral de 2017 seja uma avenida aberta para partidos ou coligações com pouca musculatura de voto.

O novo regramento, de fato, permite que siglas que não alcançam o QE possam disputar sobras de voto junto com o pelotão de cima. Mas disputar sobras é uma coisa e ascender ao Parlamento é outra.

O termômetro é o QE: se a sigla ou coligação não tiver alcançado o QE, mas tenha tido uma votação que seja razoavelmente próxima dele, então há alguma chance de ganhar uma vaga (vai depender do número de vagas em disputa por média e do volume de sobras dos partidos ou coligações do pelotão de cima).

Por conta do esperado aumento da alienação eleitoral, o QE para federal deve gravitar no entorno de 170 mil votos e o estadual ao redor de 90 mil (com grande chance de ser menor). Então, partidos ou coligações circunscritos ao pelotão de baixo só devem ter expectativa de ascensão ao Legislativo se tiverem votações próximas dessas quantidades.

Sobras e chapinhas fortes

As duas ou três chapinhas fortes que estão sendo montadas para federal e estadual não alteram em nada a sistemática tradicional de distribuição de sobras, como estão dizendo por aí.

Terminada a eleição, computam-se os votos válidos totais e se acha o QE. Depois se dividem os votos válidos dos partidos ou coligações pelo QE. Têm-se os QP. A partir daí, inicia-se o processo de distribuição das sobras. Este é o caminho convencional. Nada mudou.

A única diferença agora é que a distribuição de sobras abrange todos os partidos ou coligações, incluindo os do pelotão de baixo. Com ou sem chapinha forte o processo é o mesmo. Ter uma chapinha forte não garante mais vagas por causa das sobras.

Atenção: não é incorreto dizer-se que o QE mudou, mas é preciso qualificar essa mudança. A essência é a mesma. Continua sendo uma barreira de acesso ao Legislativo, só que agora alguns partidos ou coligações podem, eventualmente, preenchidos certos requisitos, conquistar vaga parlamentar sem atingi-lo, o que era impossível antes.

Chapinhas fortes e chapinhas nem tanto

Há dois condicionantes básicos numa eleição proporcional: o QE e o número fixo de vagas no Parlamento.

O que é uma chapinha forte? É uma chapinha que tem perspectivas de ultrapassar o QE algumas vezes e conquistar bom número das vagas fixas do Parlamento (ficando menos vagas para os demais).

E como é que ela consegue este feito? Juntando siglas que têm boa densidade eleitoral.

E qual é o problema que isso causa para os demais partidos ou coligações concorrentes? O número de siglas com densidade eleitoral é relativamente pequeno e, portanto, ficam menos alternativas de votações significativas para as demais chapinhas.

Quanto mais chapinhas fortes houver, menos possibilidades de ascensão ao Legislativo têm as chapinhas de pouca musculatura eleitoral.

Chapinha forte e chapão

Duas ou três chapinhas fortes numa mesma eleição para o mesmo cargo enfraquece o chapão. A razão já foi dita: existem poucos partidos com densidade eleitoral. Para se formar duas ou três chapinhas fortes, certa quantidade deles tem que imigrar do chapão.

Um chapão com menos componentes partidários, por conta da saída de partidos com musculatura eleitoral para chapinhas fortes, afeta a todos do chapão. A votação total deste conjunto é menor e o QP diminui, por conseqüência. A votação média dos eleitos aumenta, deixando de fora candidatos com boa votação, inclusive do partido-mãe.

Chapinha forte, chapinha nem tanto e votação de candidato

Uma coligação é vista sempre por dois ângulos, do ponto de vista eleitoral. O ângulo da votação total da aliança (quantas vezes essa votação pode ultrapassar o QE?) e o ângulo da votação individual dos candidatos das siglas participantes (quem é que pode ser eleito?).

Estar no chapão ou numa chapinha forte é sempre vantajoso para os partidos componentes, como já se disse, devido à expectativa de grande votação do conjunto.

A decisão de aderir a uma chapinha ou a um chapão, entretanto, passa não só pela expectativa do total de votos da coligação (que deve ser sempre superior a que o partido almejaria se disputasse isoladamente), mas também, pelo potencial de votos dos candidatos da aliança.

A aliança funciona como se partido fora: os mais votados é que serão eleitos. Não adianta uma sigla migrar de uma potencial chapinha de pouca densidade de votos para outra considerada mais forte se suas votações individuais são de pouca expressão. Vai só servir de cauda.

O vôo solo

Coligar é uma praxe nas eleições proporcionais, urbi et orbi. No pleito de 2014, em Pernambuco, todos os deputados eleitos tanto para a ALEPE quanto para a Câmara Federal o foram por coligações.

Aliás, nas últimas 8 eleições pós redemocratização, nunca um parlamentar federal de qualquer partido foi eleito sem ser por uma coligação.

Mas isso está longe de significar impossibilidade eleitoral do vôo solo. Por exemplo, em 2014 para federal, se alçassem vôo solo, PSB, PT, PP e PMDB teriam conquistado mais vagas do que o fizerem em alianças (zero, no caso do PT).

No pleito para a ALEPE, ainda em 2014, PSB, PP, PT, PDT e PSDB teriam mais vagas do que obtiveram, se planassem em vôo solo.

E por que não voaram isoladamente? Bem, os motivos são variados, dependendo das estratégias partidárias, mas sempre pesou a expectativa de fazer mais parlamentares do que em vôo solo e, em vários casos, a questão do atrelamento à disputa majoritária.

A moeda tem dois lados. Se saíssem sozinhos em 2014 para federal, o PTB teria perdido um parlamentar e PDT, PcdoB, PSC, PSD, DEM e PHS não elegeriam ninguém.

Na ALEPE, o PR perderia uma vaga e SD, PSL, PRB, PSOL, PTC e PROS, não teriam ascendido ao Legislativo.

Em outras palavras: vôo solo não é para qualquer um (atenção: a partir de 2020 o vôo solo tem que ser para qualquer um!).

A cláusula de desempenho individual

As direções partidárias têm mais com que se preocupar do que dar atenção a essa Lei 13.165, no que tange à instituição da cláusula de desempenho individual [somente serão eleitos candidatos com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral (QE)].

Primeiro, porque o sarrafo é ridiculamente baixo, apenas 10% do QE (17 mil votos para federal e 9 mil votos para estadual), o que, na prática, dificilmente atinge alguém eleito.

Segundo, porque a lei está eivada de falhas e muito vulnerável a demandas judiciais. Judicializou, ganhou.

Voto

O que ganha eleição é voto, mas uma boa estratégia eleitoral ajuda muito!
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Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. http://mauricioromao.blog.br mauricio-romao@uol.com.br