O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou apelos de líderes e dirigentes de partidos do centrão, que dão sustentação ao seu governo, e voltou a atacar o sistema eleitoral durante manifestação a seu favor em Presidente Prudente (SP) sábado (31).
Em transmissão ao vivo na quinta-feira (29), Bolsonaro havia feito o mais duro ataque contra as urnas eletrônicas, sem, entretanto, apresentar qualquer prova das supostas fraudes nas eleições que denuncia há três anos. Ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal) reagiram nos bastidores, e aliados do centrão apelaram ao presidente para que moderasse o tom.
Dois dias após os ataques e a disseminação de informações falsas, porém, Bolsonaro afirmou em palanque que a democracia só existe com eleições limpas e que não aceitará uma “farsa”. “Queremos eleições, votar, mas não aceitaremos uma farsa como querem nos impor. O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde. Jamais temerei alguns homens aqui no Brasil que querem impor sua vontade”, disse.
O discurso de Bolsonaro foi transmitido ao vivo em suas redes sociais, mas a transmissão enfrentou problemas técnicos e caiu diversas vezes. A motociata em Presidente Prudente foi a sexta promovida pelo presidente, que voltou a ignorar protocolos sanitários, gerar aglomerações e cumprimentar apoiadores sem máscara. Acompanharam o chefe do Executivo os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
A manifestação ocorreu em meio ao avanço da variante delta da Covid-19, mais transmissível que as demais. O Brasil registrou 886 mortes pela doença nesta sexta-feira (30), e chegou a 555.512 óbitos desde o início da pandemia. A média móvel de mortes é de 1.013 -o país está há 191 dias seguidos contabilizando mais de 1.000 mortes por dia.
As cinco motociatas anteriores foram realizadas entre maio e julho, em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Chapecó (SC) e Porto Alegre. O presidente anunciou que a próxima será em Florianópolis, no dia 7 de agosto. Segundo resposta obtida pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, somente a motociata realizada no Rio em maio custou ao menos R$ 231 mil aos cofres públicos, somando os gastos com o cartão corporativo, transporte terrestre, passagens, telefonia e diárias.
Na soma não estão inclusos os custos do governo estadual com reforço no policiamento. Na motociata da capital paulista, esses gastos chegaram a R$ 1,2 milhão com a participação de 1.433 policiais, cinco aeronaves, dez drones e aproximadamente 600 viaturas, informou a Secretaria de Segurança Pública do estado.
Para a passagem de Bolsonaro em Presidente Prudente, foi bloqueado o acesso das principais rodovias que vão para o norte do Paraná, para a divisa de Mato Grosso do Sul, para a capital paulista e para o norte do estado de São Paulo. Foram escalados para o evento 500 policiais militares, 150 rodoviários, batalhões especiais e um helicóptero.
Além de apoiar o presidente, segundo os organizadores, a motociata teve como objetivo fortalecer o movimento “Brasil livre e a favor do voto auditável” -fazendo coro às mentiras espalhadas por Bolsonaro sobre supostas fraudes nas eleições, nunca provadas por ele.
Bolsonaro chegou no aeroporto por volta das 9h, percorreu um percurso nas estradas que circundam o local, e seguiu para o parque do Povo, principal parque urbano da cidade. Segundo a agenda oficial, o presidente foi a Presidente Prudente para formalizar o credenciamento do Hospital de Esperança, antigo HRCPP (Hospital Regional do Câncer de Presidente Prudente), junto ao SUS.
Além da motociata, a agenda extraoficial de Bolsonaro previa um megachurrasco com 2.000 pessoas no centro de exposições da cidade. A pedido do Ministério Público, o evento foi cancelado pela Justiça, que alegou que uma cerimônia deste tamanho só poderia estar inserida na categoria dos eventos-teste anunciados pelo governo paulista em meio à pandemia da Covid-19.
A prefeitura afirmou que o evento era encabeçado pela UDR (União Democrática Ruralista), uma associação civil que despontou em defesa dos ruralistas em meados dos anos 1980, quando o oeste paulista se tornava epicentro de conflitos fundiários, com a presença do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na região.
A organização já foi presidida por Luiz Antonio Nabhan Garcia, líder ruralista local e hoje secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura do governo federal e aliado próximo do presidente. Desde a corrida presidencial de 2018, Nabhan Garcia é ainda um dos principais fiadores de Bolsonaro entre parte do setor do agronegócio no país.
Na CPMI da Terra, concluída em 2005, Nabhan Garcia foi acusado de estar associado a milícias armadas no campo em defesa de fazendeiros na região de Presidente Prudente. À época, o agora secretário de Bolsonaro responsável pela reforma agrária e demarcação de terras indígenas negou as acusações e não foi indiciado.
Irmão dele, Maurício Nabhan Garcia chefia hoje a Secretaria de Agricultura e Abastecimento em Presidente Prudente, pasta criada pelo atual prefeito prudentino, que, apesar de estar filiado a um partido que faz oposição a Bolsonaro a nível nacional, se mostra alinhado ao presidente.
Desde a eleições municipais de 2020, quando garantiu seu primeiro mandato à frente da prefeitura, Ed Thomas (PSB) mantém elogios públicos e fotos com Bolsonaro nas redes sociais. A cidade elegeu o presidente com 78% dos votos válidos no segundo turno das eleições de 2018.
Nesse sábado, o prefeito publicou uma nova imagem com o presidente, afirmando que sua visita é uma “oportunidade para manifestar gratidão pelo credenciamento do Hospital de Esperança junto ao SUS”.