Chocolate pode acabar até 2020 e a brasileira mangaba, sumir do mapa em breve…

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Pode faltar chocolate até 2020. Essa informação foi divulgada por indústrias do setor e corroborada pela Organização Internacional do Cacau foi recebida pela população mundial com a dramaticidade só vista em situações de catástrofes naturais. Deixando de lado a cota de exagero dessa afirmação, a verdade é que assim como o cacau – ingrediente base para a confecção do doce mais amado do planeta – outros alimentos também correm algum risco: de não atender plenamente à demanda de consumo, tornando-se mais raros e caros, ou seja, iguarias, e até de desaparecerem do mercado por conta de longo período de processos exploratórios não sustentáveis. Hoje, trazemos uma lista de alguns itens que podem sumir a qualquer momento, modos de fazer quase esquecidos e o trabalho de gente que tenta não deixar que alguns sabores tradicionais sumam do mapa do gosto.

Alimentos correm risco de escassez ou de desaparecem

Era fim de 2014 quando jornais do mundo inteiro anunciaram em tom de tragédia: o chocolate vai acabar. O veredito foi dado por gigantes da indústria de doces, Mars, Inc. e Barry Callebaut, mas tem total embasamento técnico segundo a Organização Internacional do Cacau (ICCO) e a Universidade de Sidney. Mas não se preocupe. Na próxima Páscoa, você ainda terá ovos, só que, certamente, com preços mais altos. A matéria-prima está ficando árida. David Guest, especialista em agricultura da instituição australiana, explica que a cada ano está mais difícil atender à demanda de consumo de um mercado tão ascendente quanto o de chocolate. Países super populosos, como a China, impulsionaram o volume de produção do doce, logo, também provocaram uma importante mudança na cadeia produtiva do cacau, fruto imprescindível para a confecção da guloseima. Pelos cálculos dele, até 2020, a produção mundial de cacau precisa aumentar em 25% para manter os estoques em dia.

Quando o assunto é cacau, a preocupação de uma possível escassez também acende um alerta vermelho para João Tavares, cacauicultor em Ilhéus, na Bahia, e fornecedor de amêndoas para as brasileiras Harald e Nugali, e os franceses Alain Ducasse e Pierre Marcolini. “Não acredito que até 2020, nos falte a matéria-prima, mas com certeza o preço do produto vai aumentar. Mas a longo prazo é possível, sim, que o cacau gourmet se torne raro”, corrobora o fazendeiro, colocando ainda mais preocupação na vida dos chocólatras. Tavares acrescenta que o motivo para um cenário negativo como esse se deve também, além do crescimento vertiginoso do consumo do doce negro, é a falta de áreas apropriadas para o cultivo do cacau. A cultura só progride nos trópicos, áreas quentes e úmidas, como o Nordeste do Brasil, oeste da África e também no sudeste da Ásia, ou seja, praticamente não há mais para onde ir. Solução? “É investir em técnicas que garantam a longevidade do cultivo e intensifiquem a produtividade sem subtrair da qualidade das amêndoas”, explica o desafio que tem daqui para frente.

Continua…

Ameaçados

Mas nem só o chocolate sofre risco de baixas produtivas. Quando foi a última vez que você viu uma mangaba pessoalmente? Faz tempo, hum? Levantamento do projeto Arca do Gosto, criado pela Fundação Slow Food para Biodiversidade, aponta que a saborosa frutinha – que só ocorre no Brasil, cujo passado era de abundância nos tabuleiros nordestinos, também presente nos cerrados do Centro-Oeste, no norte de Minas Gerais e emparte da Amazônia – hoje quase não é encontrada nos centros urbanos nem para contar história. Seu plantio é basicamente voltado para a subsistência e sua colheita, extrativista. Essa fórmula só favorece o desaparecimento de sua cultura e extinção do alimento. A Arca tem como objetivo catalogar alimentos, sabores e modos de fazer que correm o risco de sumir a fim de ser o fio da meada para ações que promovam sua perpetuação. Segundo Thiago das Chagas, representante do Slow Food no Recife, já foram registrados mil produtos ameaçados de extinção no mundo inteiro. E a lista brasileira preocupa. Além da mangaba, poderemos, em breve, só conhecermos por foto alimentos típicos de todas as regiões: arroz nativo do Pantanal, arroz vermelho, babaçu, berbigão, bergamota montenegrina, bijajica, bocaiúva, butiá, cagaita, cambuci, castanha de baru, farinha de batata-doce krahô, feijão canapu, guaraná nativo sateré-mawé, jaracatiá, jatobá, maracujá da caatinga, marmelada de Santa Luzia, néctar de abelhas nativas, ostra de Cananéia, palmito juçara, pequi, pinhão, piracuí, pirarucu e umbu.

“Em Pernambuco, especificamente, ainda em processo de inserção neste catálogo está a passa de caju de Vila Velha, em Itamaracá. Não só pela matéria-prima ser de origem extrativista [caju], que tem a especulação imobiliária como grande vilão, mas principalmente pelo processo de confecção do doce, minucioso e caseiro, que dura três dias no fogo, como também pelo seu resultado”, relata Chagas. Ele atenta para o fato de encontrarmos facilmente o doce de caju, mas as passas são difíceis, quase iguarias. O modo de fazer, reservado às mulheres, a manipulação, o tempo de espera para que o quitute fique no ponto e a limitação espacial, a região de Vila Velha, creditam a passa como gosto a ser preservado e perpetuado, por isso está sendo catalogada.

Apesar de pontual, a crise na produção europeia das azeitonas para azeite também chama atenção. De acordo com Francisco Pavão, agrônomo português e dono da Casa Santo Amaro, nos próximos meses, as prateleiras ficarão desabastecidas do condimento – haverá poucas garrafas da safra de 2014 e com preços mais elevados. Isso se deve ao ataque da mosca da azeitona nos plantios da Espanha, Itália e Portugal. A proprietária da Companhia do Azeite, distribuidora de azeites lusos, Cinira Cordeiro, prevê um aumento de 40% no preço do azeite na bolsa. Além da redução da quantidade de litros, o ataque da mosca tem outro efeito colateral: aumentou a acidez dos azeites que serão engarrafados de abril para maio.

Saiba mais
Projetos 
– No Recife, o cozinheiro Claudemir Barros pilota o Plantar Ação, projeto que promove a agricultura familiar e fomenta o uso de ingredientes quase desaparecidos e desconhecidos como gogoia, umbu e macaíba. Alex Atala criou o Instituto ATÁ com o objetivo de promover ações que fortaleçam a relação da cultura com a cozinha.

Links relacionados
Organização Internacional do Cacau: www.icco.org

Slow Food Brasil: www.slowfoodbrasil.com

Plantar Ação: Tem perfil no Facebook

Instituto ATÁ: www.institutoata.org.brTwitter: @institutoata

*Agradecimento à Anna Corinna Douce et Chocolat (3325.2029), loja-confeitaria em Boa Viagem, onde foi produzida a foto com chocolates para a capa.

Vanessa Lins, da Folha de Pernambuco