A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em São Paulo divulgou nota nesta quinta-feira (11) com posicionamento contrário ao uso de símbolos religiosos durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT, realizada no último domingo (7).
A atriz Viviany Beleboni, de 26 anos, foi até o evento na capital paulista presa em uma cruz. Segundo a transexual “crucificada”, o ato foi realizado para “representar a agressão e a dor que a comunidade LGBT tem passado”. Ela foi fotografada por João Castellano, da agência Reuters e a imagem viralizou nas redes sociais. Viviany chegou a receber ameaças de morte.
A nota, divulgada no site da conferência e no Facebook de dom Odilo Scherer, diz que foram “claras manifestações de desrespeito à consciência religiosa de nosso povo e ao símbolo da fé cristã, Jesus crucificado”. O texto também aponta que a “fé cristã e católica, e outras expressões de fé encontram defesa e guarida na Constituição Federal”.
A CNBB também expressou repúdio ao uso da imagem de Jesus na Parada Gay e apela “aos responsáveis pelo Poder Público, guardiães da Constituição e responsáveis pela ordem social e pelo estado democrático de direito, que defendam o direito agredido”.
A nota não cita diretamente o nome da transexual, mas a imagem de Viviany circulou pelas redes sociais e provocou até uma manifestação de deputados evangélicos e católicos na Câmara dos Deputados.
Além disso, durante esta semana diferentes fotos circularam nas redes sociais mostrando pessoas usando a imagem de Jesus Crucificado. Algumas delas, no entanto, não foram feitas na Parada Gay 2015.
Scherer já havia se pronunciado na segunda-feira (8) sobre a fotografia de Castellano e o ato de Viviany em sua página no Facebook.
“Muitas pessoas me questionaram sobre a imagem de um transexual na cruz durante a Parada Gay. Entendo que quem sofre se sente como Jesus na cruz. Mas é preciso cuidar para não banalizar ou usar de maneira irreverente símbolos religiosos, em respeito à sensibilidade religiosa das pessoas. Se queremos respeito, devemos respeitar.”
Continua…
Outras manifestações
O deputado federal e pastor Marco Feliciano se pronunciou nas redes sociais. Nesta terça-feira (9), ele gravou um vídeo argumentando contra o uso da imagem de Jesus pela transexual.
“Estou indignado com o que aconteceu ontem. Mas eles mostraram quem são, pagos com o dinheiro dos cofres públicos. Essas pessoas são intolerantes e me acusam daquilo do que eles fazem”, diz em trecho da gravação. “Também estou indignado por pegarem o símbolo da minha fé e terem exposto publicamente em um ato de completa falta de respeito. Estou falando de pessoas que acham que o direito deles é maior que o meu direito”, completa.
Feliciano lembrou o artigo 208 do Código Penal: “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa”.
O deputado federal Jean Wyllys escreveu um texto na mesma rede social questionando as críticas contra Viviany. O político relembrou diferentes momentos em que a imagem de Jesus e outros símbolos religiosos foram utilizados para a criação artística. “Se é assim, então por que essa celeuma toda em torno da apropriação da iconografia da crucificação de Jesus feita por uma artista transexual na Parada LGBT de São Paulo?”, questionou.
“Ora, porque se trata de uma representação feita por um membro da comunidade LGBT! A celeuma – iniciada e estimulada por lideranças político-religiosas oportunistas, demagógicas e intelectualmente desonestas – tem, portanto, o objetivo claro de difamar lésbicas, gays, bissexuais e transexuais por meio da manipulação dos preconceitos anti-homossexuais históricos ainda arraigados no coração e na mente da maioria da população.”
Teólogos explicam as polêmicas
O teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antônio Manzatto, não acha que o ato de Viviany chegou a desrespeitar o símbolo. Segundo ele, não há qualquer registro da Bíblia contrário ao uso da cruz. “A cruz nem era um símbolo religioso quando a Bíblia foi escrita. Os símbolos foram criados ao longo dos anos”, explica.
O teólogo da PUC-SP chama atenção para o que representa a imagem cruz. “Os símbolos religiosos se referem a uma situação. A cruz se refere aos abandonados e oprimidos. Se ela usou essa imagem para fazer a sociedade perceber a situação de dominação, está certa. As pessoas não enxergam isso e são elas que deram qualquer outro significado para aquele símbolo”, disse.
“A questão do direito à igualdade é de todo o ser humano, independentemente de sua crença, raça ou opção sexual. Tem gente discutindo porque a pessoa está crucificada na Parada Gay e acaba mudando o foco do que é importante discutir. É mudar o foco para não discutir os direitos homossexuais. E assim fica a estrutura de dominação”.
Outro teólogo, Jaldemir Vitório, presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), confirma a posição de Manzatto. “Não há registro”, diz. “O que existe são leis criadas por cada País, como é o caso do Brasil, mas de qualquer forma não vi como um desrespeito à fé cristã. Quem garante que ela não usou a imagem de Jesus justamente para demonstrar sua fé? As pessoas enxergam o que querem”, completa Vitório.
Manzatto acredita que, nas próprias palavras, o que “acontece é uma coisa muito natural” e “As pessoas pensam assim: ‘o símbolo é meu e não quero que ninguém mexa com ele’”.
Para Nelson Domingues, professor de teologia e psicólogo clínico, as pessoas são muito apegadas aos símbolos. “O símbolo é uma coisa que vem de fora. As pessoas se apegam muito à religiosidade e acabam esquecendo da coisa mais importante que Jesus ensinou: amar. O mais importante é o amor para o cristianismo. Entre o símbolo e o amor, é preciso ficar com o amor”, completa.
Para o teólogo, o ato de Viviany foi uma falta de respeito de fato. Mas ele diz que isso não deveria afetar tanto aqueles que creem em Jesus. “Vi que ela [Viviany] está sendo ameaçada de morte. Gente dizendo que vai cair fogo do céu na cabeça dela. A Bíblia que eu acredito não ensina o ser humano a ser assim”, completa.
Leia a íntegra da nota do Regional Sul 1 da CNBB:
MENSAGEM AOS CATÓLICOS E A TODOS OS CIDADÃOS
Nós, Bispos Católicos das Dioceses do Estado de São Paulo, reunidos na 78ª Assembleia do Regional Sul I da CNBB, diante dos acontecimentos da recente “parada gay 2015”, ocorrida na cidade de São Paulo, com claras manifestações de desrespeito à consciência religiosa de nosso povo e ao símbolo maior da fé cristã, Jesus crucificado, em nome da verdade que cremos, vimos através desta, como pastores do Povo de Deus:
– Afirmar que a fé cristã e católica, e outras expressões de fé encontram defesa e guarida na Constituição Federal: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (artigo 5º, inciso VI).
– Lembrar que todo ato de desrespeito a símbolos, orações, pessoas e liturgias das religiões constitui crime previsto no Código Penal: “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso” (Art. 208 do Código Penal).
– Apelar aos responsáveis pelo Poder Público, guardiães da Constituição e responsáveis pela ordem social e pelo estado democrático de direito, que defendam o direito agredido.
Expressar nosso repúdio diante dos lamentáveis atos de desrespeito ocorridos; queremos contribuir com o bem-estar da sociedade, pois somos, por força do Evangelho, construtores e promotores da liberdade e da paz.
– Manifestar nossa estranheza ao constatar um evento, como citado seja autorizado e patrocinado pelo poder público, e utilizado para promover atos que afrontam claramente o estado de direito que a Constituição garante.
– Lembrar a todos as atitudes firmes do Papa Francisco quanto ao respeito pelo ser humano, aos mais pobres, aos mais simples, à religiosidade popular.
– Recordar aos católicos que a profanação de símbolos religiosos pede de nós um ato de desagravo e de satisfação religiosa, pela oração e pela penitência, pedindo ao Senhor Deus perdão pelos pecados cometidos e a conversão dos corações.
– Reafirmar, iluminados pelo Evangelho e conduzidos pelo Espírito Santo, nosso respeito a todas as pessoas, também a quem pensa diferente de nós. E convidamos os católicos e pessoas de boa vontade a contribuírem, em tudo, para a edificação da justiça e da paz, do respeito a Deus e ao próximo.
– Por fim, confirmamos nosso seguimento a Jesus Cristo e damos testemunho da beleza de nossa fé católica, na certeza de que, assim, contribuímos para o bem da sociedade, anunciando o que de melhor recebemos: Jesus Cristo crucificado, “força e sabedoria de Deus” (1Cor 1,23s), fonte de toda misericórdia.
Aparecida, 11 de junho de 2015.
Memória Litúrgica do Apóstolo São Barnabé
Dom Odilo Pedro Scherer
Presidente do Regional Sul I – CNBB
Dom Moacir Silva
Vice-Presidente do Regional Sul I – CNBB
Expressar nosso repúdio diante dos lamentáveis atos de desrespeito ocorridos; queremos contribuir com o bem-estar da sociedade, pois somos, por força do Evangelho, construtores e promotores da liberdade e da paz.
Memória Litúrgica do Apóstolo São Barnabé
Presidente do Regional Sul I – CNBB
Vice-Presidente do Regional Sul I – CNBB