“Arte de desamar”…

O notário e poeta mineiro Murilo Monteiro Mendes (1901-1975), no poema “Arte de desamar”, faz um bem-humorado relato de um caso de amor que pode não dar certo. ARTE DE DESAMAR Murilo Mendes Meu amor é disponível, A qualquer hora ele fecha; A crise de convicção É mesmo muito grande. As pernas do meu amor Distraem da metafísica, O corpo do meu amor Tem a vantagem sublime De disfarçar o horizonte. Eu não amo meu amor Para quê tapeação. Não amo ninguém no mundo, Nem eu mesmo, nem me odeio. Meu amor é uma rede Onde descanso da vadiação. Os olhos do meu amor São bastante distraídos, Não vêem meu desamor. Com o porta-seios moderno Os seios do meu amor Aparados à la garçonne Ocupam lugar pequeno No espaço do seu corpo. Se meu amor qualquer dia Me abandonar, ai de mim! Eu não me suicidarei… Escreverei mais poemas.

Ferreira Gullar: “Não há vagas”…

O jornalista, crítico de arte, teatrólogo, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta e poeta maranhense José Ribamar Ferreira, o famoso Ferreira Gullar, explica por que “Não Há Vagas” para os dramas diários.   NÃO HÁ VAGAS Ferreira Gullar   O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão.   O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerilha seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras.   – porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço   O poema, senhores, não fede nem cheira.

Catullo da Paixão Cearense – A Flor do Maracujá…

A Flor do Maracujá Catullo da Paixão Cearense   Encontrando-me com um sertanejo, Perto de um pé de maracujá, Eu lhe perguntei: Diga-me caro sertanejo, Porque razão nasce branca e roxa, A flor do maracujá? Ah, pois então eu lhi conto, A estória que ouvi contá, A razão pro que nasci branca i roxa, A frô do maracujá. Maracujá já foi branco, Eu posso inté lhe ajurá, Mais branco qui caridadi, Mais brando do que o luá. Quando a frô brotava nele, Lá pros cunfim do sertão, Maracujá parecia, Um ninho de argodão. Mais um dia, há muito tempo, Num meis que inté num mi alembro, Si foi maio, si foi junho, Si foi janeiro ou dezembro. Nosso sinhô Jesus Cristo, Foi condenado a morrê, Numa cruis crucificado, Longe daqui como o quê, Pregaro cristo a martelo, E ao vê tamanha crueza, A natureza inteirinha, Pois-se a chorá di tristeza. […]

Ferreira Gullar – Poema Obsceno…

Façam a festa Cantem e dancem Que eu faço o poema duro O poema-murro Sujo Como a miséria brasileira Não se detenham: Façam a festa Bethânia Martinho Clementina Estação Primeira de Mangueira Salgueiro Gente de Vila Isabel de Madureira todos façam a nossa festa enquanto eu soco este pilão este surdo poema que não toca no rádio que o povo não cantará (mas que nasce dele) Não se prestará a análises estruturalistas Não entrará nas antologias oficiais Obsceno Como o salário de um trabalhador aposentado O poema Terá o destino dos que habitam o lado escuro do pais – e espreitam. Ferreira Gullar, em “Toda Poesia”.