Shows, prefeituras e situação de emergência

Por João Batista Rodrigues*/Via Blog Magno Martins – Após o cantor Zé Neto, que faz dupla com Cristiano, criticar a cantora Anitta e os artistas patrocinados pela Lei Rouanet, surgiram várias denúncias de cachês milionários pagos a sertanejos, com dinheiro público e sem licitação. Shows foram cancelados por todo o Brasil, em Pernambuco sobrou para o cantor João Gomes, que teve show de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), na cidade de Bom Conselho, cancelado por cautelar do Tribunal de Contas do Estado.
No comparativo entre os artistas patrocinados pela Lei Rouanet e os shows decorrentes de inexigibilidade de licitação realizados pelas Prefeituras, em primeiro lugar a enorme discrepância de valores, enquanto na Lei de incentivo ao cachê de um artista solo não pode ser superior a R$ 3.000 (três mil reais), na contratação de artistas com notoriedade não existe limite, o preço é aceito mediante apenas a comprovação de 3 (três) notas fiscais referentes a shows idênticos do mesmo artista.
As duas formas de “apoio” à atividade artística encontram amparo legal.  O incentivo à cultura realizado por meio da Lei Rouanet, impõe que o artista se inscreva em edital divulgado pela entidade pública, a fim de garantir o cumprimento do princípio da impessoalidade, posteriormente, após a aprovação do seu projeto, deve conseguir patrocínio privado, ou seja, empresa ou pessoa física que tenha interesse em patrocinar a atividade artística a fim de receber desconto dos impostos por eles suportados.
Por outro lado, a contratação de artistas renomados por inexigibilidade de licitação é autorizada pela Lei de Licitações, tanto a Lei nº 8.666/93, em vigor, quanto a Lei nº 14.133/2021, que a altera e vigora, simultaneamente, vejamos:
  • Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
[…]
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. (Lei 8.666/1993).
  • Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
[…]
II – contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; (Lei 14.133/2021).
Dessa forma, para contratar artistas por inexigibilidade de licitação, bastam: a escolha do gestor público, a justificativa do preço e a apresentação das razões da escolha do artista, baseada quase sempre pela sua consagração junto ao público.
No entanto, a discussão que se levanta no âmbito dos órgãos de controle externo vai além da autorização legal que inegavelmente existe, decorre de outros aspectos, no caso de Pernambuco, o Tribunal de Contas e o Ministério Público Estadual já vinham expedindo recomendações pela não realização de eventos festivos pelas Prefeituras quando houvesse salários de servidores e recolhimentos previdenciários em atraso, antes da polêmica iniciada pelos comentários de Zé Neto.
Em Pernambuco, existe também a Lei Estadual nº 16.442/2018, que veda expressamente a realização de eventos festivos custeados com recursos públicos (carnaval, festas religiosas, São João, São Pedro, micaretas, cavalgadas, Natal, Ano Novo e outras tradições culturais realizadas pelos Municípios), nas localidades onde for decretado estado de calamidade pública.
A referida lei está sendo invocada para suspensão de várias festas juninas, porém é necessário considerar que a proibição descrita na lei se aplica apenas aos municípios onde for decretado estado de calamidade pública, e na maioria dos Municípios Pernambucanos atingidos pela recente tragédia das chuvas foi decretado situação de emergência, que possuem naturezas jurídicas distintas.
De acordo como o Decreto Federal nº 10.593/2020, existe uma diferença circunstancial entre a “situação de emergência” e “estado de calamidade pública”, e diz respeito a capacidade de resposta do ente federativo onde se deu o desastre, quando “o comprometimento” for  “parcial” e “que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação” a situação é de emergência, quando ”o comprometimento” for  “substancial”, estado de calamidade.
De volta à polemica, shows de Prefeituras versus Lei Rouanet, recordamos que durante o carnaval 2022, em função do agravamento da Pandemia da Covid-19, havia a pretensão de proibir shows públicos e liberar shows privados, causando também enorme repercussão. O questionamento que surge, se o entendimento for repetido nessa questão dos shows públicos contratados por inexigibilidade, é se apenas os ricos e abastados terão direito a shows de Gusttavo Lima ou do nosso, agora também famoso, João Gomes.
Por outro lado, os artistas não famosos, mas que aprovam projetos em Edital Público, segundo as regras da Lei Rouanet, vão continuar a ter caches limitados a três mil reais? É preciso encontrar um meio termo, que não coloque de lados opostos artistas renomados e o setor cultural, assim como não é razoável a promoção de eventos com cachês milionários em pequenas cidades, sem retorno financeiro para seus habitantes, muitas vezes necessitando de apoio assistencial ou de uma educação melhor.
Um exemplo de boa iniciativa no estado de Pernambuco foi o conhecido “Circuito do Frio”, que realizava eventos regionais, em que havia o acesso da população de determinadas regiões aos shows de artistas nacionais e ao mesmo tempo o lançamento de editais para apresentação, no mesmo palco, dos artistas locais. É possível ver essa iniciativa ainda no Festival de Inverno de Garanhuns, na Festa do Estudante de Triunfo, no São João de Caruaru, nos Polos regionais de Carnaval. É esse tipo de iniciativa que possibilita a população de outros municípios, que não tenham vocação turística, a ter acesso a shows de artistas nacionais, valorizando os artistas locais que expõe seu trabalho a um grande público e gerando emprego e renda através do turismo. Viva a música! 
*Advogado, ex-prefeito de Triunfo, ex-presidente da União dos Vereadores de Pernambuco – UVP, secretário da Comissão de direito Municipal da OAB/PE