O Globo – Em mais um capítulo da pressão que exerce sobre a Petrobras para evitar novos reajustes dos preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro colhe hoje um revés. 
A pedido do governo, o Conselho de Administração da Petrobras fez ontem uma reunião extraordinária para avaliar um possível adiamento dos reajustes nos combustíveis até que sejam aprovadas no Congresso as medidas de desoneração propostas para conter a alta dos preços nas bombas.

O tiro acabou saindo pela culatra. Os conselheiros concluíram que cabe aos diretores da estatal essa decisão e não ao colegiado. Com esse sinal verde, a empresa anuncia hoje um novo reajuste de gasolina e diesel, segundo fontes que acompanharam o encontro virtual na tarde de ontem.

A decisão contraria os interesses eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, que já determinou a troca do comando da Petrobras e vem pressionando a empresa para não reajustar diesel e gasolina enquanto costura no Congresso um pacote de medidas para desonerar os combustíveis, particularmente diesel e gás de cozinha, cuja disparada alimenta a inflação e pesa mais contra sua popularidade no ano em que busca a reeleição. Também ontem, Bolsonaro disse considerar um novo aumento como um ataque com motivações políticas.

Segundo uma fonte, a reunião foi convocada às pressas, no feriado, a pedido do governo para evitar o reajuste. A próxima seria em 29 de junho. O tema da reunião foi definido pelo presidente do colegiado, Márcio Weber, formalmente como “aumento de preço”, para debater quando a empresa deveria fazer os reajustes defendidos por sua diretoria. Os conselheiros cogitaram adiar o aumento para a semana que vem, mas a ideia foi derrotada.

Segundo o colunista do Globo Lauro Jardim, a estatal vai comunicar um reajuste no preço do diesel hoje, valendo a partir de segunda-feira. Segundo fontes a par da decisão, também vai subir o da gasolina. A empresa vai divulgar um fato relevante em que explica suas razões.

Mas por que a Petrobras resiste?

O argumento da diretoria é o de que os preços estão muito defasados em relação ao mercado internacional e não é mais possível esperar. A estatal vem ressaltando risco de faltar diesel no segundo semestre.

A última vez que o litro da gasolina foi reajustado nas refinarias foi em 11 de março, em 18,7%, passando de R$ 3,25 para R$ 3,86 nas refinarias. Se confirmada hoje, será a primeira alta em mais de três meses. Já o diesel está congelado desde 10 de maio, quando o custo para as distribuidoras passou de R$ 4,51 para R$ 4,91 por litro.

A direção da Petrobras alertou o governo mais uma vez sobre a possibilidade de desabastecimento de diesel caso o preço não seja reajustado. Isso porque o país precisa importar cerca de 30% do que consome.

Quando a Petrobras pratica preços abaixo do mercado desestimula a importação. Segundo a Abicom, que reúne as importadoras, a defasagem estava em 14% para gasolina e 18% para o diesel no dia 15 de junho. O preço do petróleo ontem ficou próximo dos US$ 120 por barril. O dólar acima dos R$ 5 agrava a situação.

Procurada pelo GLOBO, a Petrobras não quis comentar. Na terça-feira, a Petrobras disse em comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que mantém seu compromisso com a prática de preços competitivos. A estatal disse que busca “equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato das volatilidades externas e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais”.

Por que Bolsonaro briga com uma empresa que controla?

Integrantes do governo, porém, não acreditam nos argumentos técnicos da estatal e criticam a atual diretoria, chefiada pelo presidente José Mauro Coelho, cuja demissão Bolsonaro definiu no mês passado pouco mais de um mês depois de indicá-lo para o cargo. A definição dos preços, portanto, está nas mãos de uma diretoria demissionária.

Bolsonaro decidiu trocar a presidência da empresa e o seu Conselho de Administração, que vinha adiando deliberar sobre reajustes. O processo burocrático para a substituição de Coelho é demorado, e o executivo resiste às pressões para renunciar. A mudança na presidência, de acordo com Bolsonaro, permitiria abandonar reajustes automáticos.

Esse tipo de intervenção, porém, contraria os princípios da Lei das Estatais e penaliza o valor das ações da empresa na Bolsa.

— A gente espera que o conselho se reúna, porque o conselho não quer se reunir, para decidir a troca do presidente — afirmou Bolsonaro ontem em transmissão em suas redes sociais, argumentando que que não existe obrigação de reajustes imediatos para manter a paridade de preços com o mercado internacional.

Também ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a pressionar a Petrobras para evitar reajustes. Ele afirmou que verá como um ataque direto ao governo caso a Petrobras decida por um aumento nos próximos dias.

Na live, Bolsonaro repetiu muitas críticas à empresa, que é controlada pelo seu próprio governo, responsável por indicar a maior parte dos membros do conselho (atualmente tem 6 das 11 cadeiras) e a diretoria. Ele insinuou que há “interesse político” nas decisões da estatal.

Por que Bolsonaro quer que a empresa adie reajustes?

A reunião extraordinária do conselho foi realizada um dia após a Câmara dos Deputados concluir a votação do projeto de lei que cria um teto para o ICMS sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transporte coletivo.

Bolsonaro comemorou a aprovação no Congresso do projeto que limita em 17% a tributação dos estados sobre combustíveis. Disse esperar já na próxima semana um avanço na proposta que prevê que a União compense os estados que zerarem ICMS de diesel e gás de cozinha. E indicou que gostaria que a estatal evitasse um novo reajuste antes de avançar com essa outra medida do seu pacote para conter a escalada os combustíveis, que alimenta a inflação e prejudica sua popularidade no ano em que busca a reeleição.

Segundo Bolsonaro, caso os projetos entrem em vigor, deverá ocorrer uma redução de R$ 2 no preço da gasolina e de R$ 1 na cobrança pelo litro do diesel. Se os preços da estatal subirem antes de essas medidas entrarem em vigor, o efeito de sua articulação pode se perder. E ficará mais difícil colher dividendos eleitorais com os brasileiros gastando muito para abastecer o carro, pagar transporte público ou comprar gás de cozinha.

— Eu espero que a Petrobras não queira aumentar a gasolina e o diesel nesses dias em que estamos negociando, acertando com o Parlamento. Eu só posso entender que seria um interesse político para atingir o governo federal — afirmou Bolsonaro, insistindo que a culpa pelo preço alto nas bombas é dos atuais diretores da empresa, inclusive Coelho, indicado por ele mesmo para o cargo. — Quanto mais o povo está sofrendo aqui, mais felizes estão os diretores e o atual presidente da Petrobras.

Bolsonaro culpou ainda acionistas e funcionários da estatal, também criticada nas redes sociais pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer debater preços da Petrobras na segunda-feira na Casa e convoca reunião de líderes.