Papa Francisco inicia ‘peregrinação penitencial’ no Canadá por abusos da Igreja

O papa Francisco chegou ao Canadá ontem (24) para uma “peregrinação penitencial”, durante a qual pedirá perdão aos sobreviventes indígenas de abusos cometidos em internatos administrados pela Igreja Católica.
O pontífice argentino, de 85 anos, aterrissou em Edmonton, no oeste do Canadá, iniciando a primeira das três etapas de sua viagem. Ao descer do avião, foi recebido pelo primeiro-ministro Justin Trudeau e pela pela inuit Mary Simon, representante da rainha Elizabeth II.
Depois, visitará Quebec e Iqlauit, a capital do território de Nunavut, cidade do norte do país, sobre o arquipélago ártico, antes de retornar ao Vaticano na sexta-feira. Antes de sua partida em Roma, o papa enviou uma mensagem no Twitter para seus “queridos irmãos e irmãs no Canadá”.
“Venho entre vocês para me encontrar com os povos indígenas. Espero que, com a graça de Deus, minha peregrinação penitencial possa contribuir para o caminho de reconciliação já iniciado. Por favor, acompanhem-me com a oração”, escreveu.
No avião, o papa insistiu aos jornalistas sobre o caráter penitencial de sua visita, dedicada principalmente às populações indígenas ameríndias que hoje representam 5% dos habitantes do Canadá e que se identificam em três grupos: Primeiras Nações, Métis e Inuit.
Estes últimos foram submetidos durante décadas a uma política de assimilação forçada, fundamentalmente através de um sistema de internatos para crianças, subsidiado pelo Estado, mas administrado principalmente pela Igreja.
Cerca de 150.000 crianças desses grupos foram matriculadas desde o final do século XIX até a década de 1990 em 139 escolas residenciais, onde passaram meses ou anos isoladas de suas famílias, idioma e cultura. Muitos deles foram abusados física e sexualmente por diretores e professores e até 6.000 morreram de doenças, desnutrição ou negligência. 
O Canadá está lentamente abrindo os olhos para esse passado descrito como “genocídio cultural” por uma comissão nacional de investigação.
“Tarde demais”
“Esta visita histórica é uma parte importante da jornada de cura”, mas “muito ainda precisa ser feito”, disse George Arcand Jr., grande chefe da Confederação das Primeiras Nações do Tratado 6, na quinta-feira em Edmonton. 
O pontífice argentino, que pretende reiterar as desculpas apresentadas em Roma às delegações canadenses que o visitaram em abril, também poderia fazer alguns gestos simbólicos, como a devolução de objetos de arte indígena preservados no Vaticano há décadas. 
Na manhã de ontem, a cidade de Edmonton se preparava para receber Francisco, que teve que usar uma plataforma elevatória para embarcar em seu avião em cadeira de rodas no sábado. Com mais de dez horas de voo, é a viagem mais longa realizada pelo papa desde 2019.
Com mais de dez horas de voo, trata-se da viagem mais longa realizada pelo papa desde 2019. Após um dia de descanso no domingo, na segunda-feira (25) de manhã Francisco se reunirá pela primeira vez com membros dos povos indígenas em Maskwacis, província de Alberta, cerca de 100 quilômetros ao sul de Edmonton, onde são esperadas até 15 mil pessoas.
Alberta foi a província com o maior número de internatos. “Eu gostaria que viesse muita gente” para “perceberem que nada é inventado”, disse à AFP Charlotte Roan, de 44 años, habitante desta pobre comunidade.
Outras pessoas não veem essa visita com bons olhos. “Para mim é tarde demais porque muita gente já sofreu”, lamenta Linda McGilvery, moradora da periferia de Saint-Paul aos 68 anos. Ela passou oito anos da sua infância em um internato.
“Perdi muito da minha cultura, da minha ascendência”, lamenta outra mulher, da Nação Saddle Lake Cree, que não verá o papa. Na tarde de segunda, o líder espiritual de 1,3 bilhão de católicos está programado para um segundo discurso na Igreja do Sagrado Coração dos Primeiros Povos em Edmonton.
Já na terça-feira (26), celebrará uma missa em um estádio de Edmonton com a expectativa de 65.000 pessoas. Logo após, seguirá ao lago Sainte-Anne, local de uma importante peregrinação anual, a qual se reunirá com ex-alunos da escola residencial, antes de seu retorno para Roma. 
Depois de João Paulo II, o papa Francisco é o segundo a visitar o Canadá. No total, serão quatro discursos e quatro homilias, todas em espanhol.