Por Fernando Rodrigues/Do Poder360/ José Sarney tomou posse como presidente da República há exatos 40 anos, em 15 de março de 1985. Era uma sexta-feira. Ele tinha 54 anos. Hoje, está com 94. Sua chegada ao Planalto foi o epítome do processo de redemocratização e do fim do regime militar, que havia durado 21 anos.
Hoje, neste sábado (15), o Brasil completa 40 anos ininterruptos de democracia. É um recorde de estabilidade institucional na história dos 525 anos do país.
Na manhã da última quarta-feira (12), Sarney recebeu o Poder360 para uma entrevista em sua casa de estilo colonial em Brasília. Fazia sol. Ele acabara de fazer sua fisioterapia diária, para reforçar os músculos. Vestia um terno azul-marinho, camisa social branca e gravata estampada com tons de azul e amarelo. Não tinge mais de preto os cabelos nem o bigode, hábito que manteve durante muitos anos quando ocupava cargos públicos.
Ainda não se vê nenhum item marrom no vestuário de Sarney. Ele é supersticioso. Nunca usa essa cor. “Que las hay, las hay”, brinca. É uma citação ao conhecido aforismo espanhol “yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay” (eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem).
“Na minha idade, o importante é ter força nas pernas”, disse ao entrar na sala onde seria iniciada a conversa. Na varanda ao lado, sobre uma mesa, repousava um exemplar do livro “Nexus” (2024), do professor israelense de história Yuval Harari, já com mais da metade das 504 páginas lidas e anotadas. Sarney sublinha o que considera mais interessante com caneta esferográfica de tinta preta.
“É muito interessante o conceito que ele [Harari] sintetiza sobre informação não ser sinônimo de verdade”, diz o ex-presidente, que vai completar 95 anos em 24 de abril. Com o raciocínio afiado, demonstrou estar também bem-disposto fisicamente ao final da entrevista, quando passeou um pouco pelos jardins de sua casa com a equipe deste jornal digital. Já era quase meio-dia. O calor havia aumentado. Sarney parecia não se importar. Atendeu aos pedidos do repórter fotográfico Sérgio Lima para se posicionar num local arborizado e assim ter sua imagem registrada.
No início da entrevista gravada em vídeo, definiu o que é democracia: “O coração da democracia é a liberdade. Essa é a definição mais precisa de democracia: liberdade. A liberdade tem um poder criativo que se derrama sobre a sociedade”.
A tolerância é uma das marcas de José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o nome de batismo de Sarney (que adotou o prenome do pai como sobrenome já na vida adulta). Nos cinco anos em que esteve no Planalto, foi um dos presidentes mais criticados pela mídia e por políticos de esquerda e de direita. Aguentou firme. “Nunca processei nenhum jornalista nem nenhum jornal. Eu achava que essa liberdade dada é como a da 1ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que nós seguimos como democracia. Tive muitos críticos ferinos. Acredito que a democracia e a liberdade de imprensa têm um poder tão grande que no futuro pode corrigir tudo que foi dito”.
Não guardou mágoa de ninguém? “Eu nasci com a absoluta impossibilidade de ter ódio […]. Eu não tenho inimigos. Eu sempre tive adversários. Eu acho que essa é uma coisa nova na política brasileira que nós devemos superar e abandonar. A política feita para ter adversário, não para ter inimigos”.
Sarney assumiu seu primeiro cargo público em 1955, como deputado federal pelo Maranhão. Ele nasceu na cidade de Pinheiro, que fica no norte do Estado e a 333 km de São Luís, a capital maranhense. A carreira de Sarney é longeva. Ele foi governador do Maranhão (1966-1970), senador pelo Maranhão (1971-1985) e senador pelo Amapá (1991-2015). Presidiu o Senado por três mandatos: 1995-1997, 2003-2005 e 2009-2013.
Casado com Marly desde 1952, tem três filhos: Roseana, 71 anos; Fernando, 69 anos, e José Sarney Filho, o Zequinha Sarney, de 67 anos.
Escreveu e publicou 123 livros. É membro da Academia Brasileira de Letras. Deixou a política eleitoral ao terminar seu último mandato de senador, pouco antes de completar 86 anos, em 2015. Mas não parou de ser procurado por muitos políticos, que desejam ouvir suas análises e conselhos. Em 10 de março de 2025, passou cerca de três horas no Palácio do Planalto na cerimônia das posses dos ministros Alexandre Padilha (Saúde) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais). Foi abraçado e tietado por várias autoridades, inclusive pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – um crítico do passado e hoje um amigo.
Observador da vida nacional, Sarney aponta alguns líderes na política atual: o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e os governadores do Pará, Helder Barbalho (MDB), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) – este último, “um excelente quadro”.
Leitor voraz, elogia Itamar Vieira Junior, de quem leu o livro “Torto Arado” (de 2019). Lamenta não haver jornais impressos em papel. Vira-se lendo tudo num iPad, o tablet da marca Apple. Pretende finalizar agora em 2025 seu 124º livro, “O Brasil e seu labirinto”. Escreve à noite, em geral depois das 22h. Usa um computador Dell e o processador de textos Word, da Microsoft. Dorme cerca de seis horas por noite. Qual o segredo para chegar bem aos 95 anos? Sarney responde sorrindo: “Dormir muito, comer pouco e não discutir com mulher”.
Em 2026, o ex-presidente opina que o seu partido, o MDB, deveria manter o apoio a Lula. “Ele [Lula] ainda é o maior líder popular que tem no país. Tem experiência”.