Juízes peitam a lei, dividem férias, geram custo extra…

Contrariando a Loman (Lei Orgânica da Magistratura), juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo vêm adotando a prática de tirar suas férias de forma fracionada em dias úteis, sem contar os fins de semana.

O hábito ilegal acaba gerando um acúmulo de férias não tiradas ao fim de cada ano, o que resulta em prejuízo financeiro para o Estado, uma vez que esses dias não gozados têm de ser compensados financeiramente.

Levantamento feito pela Folha com base em avisos no “Diário Oficial do Estado de São Paulo” de junho de 2013 até julho de 2017 indica que pedidos de férias de 5 ou 12 dias são mais comuns do que os de 30 dias.

A Loman (lei complementar 35, de 1979) determina, em seu artigo 66, que “férias individuais não podem fracionar-se em períodos inferiores a 30 dias, e somente podem acumular-se por imperiosa necessidade do serviço e pelo máximo de dois meses”.

Não existe na lei a definição do que seria “imperiosa necessidade”, no entanto, o que abre margem para diferentes interpretações e justificativas.

De um total identificado pela Folha de 1.440 juízes estaduais que saíram de férias no período analisado, 94%, ou 1.360, tiraram pelo menos um período menor que 30 dias.

Um terço de todos os pedidos são referentes a férias de 5 ou 12 dias.

A reportagem encontrou 49 ocasiões de juízes que ficaram fora por duas semanas seguidas “pulando” o fim de semana e contabilizando apenas os dias úteis como férias.

Há casos extremos: em junho, um juiz tirou licença-prêmio de três dias, faltou um dia, tirou nova licença-prêmio de cinco dias, faltou cinco dias, tirou mais cinco de licença-prêmio e, por fim, vai faltar outra semana.

Continua…

GASTO

Em 2016, o tribunal pagou R$ 148 milhões em indenizações por férias não tiradas.

A quantia é alta porque os magistrados estaduais de São Paulo têm direito a 60 dias de férias, além de 90 dias de licença-prêmio a cada cinco anos trabalhados.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), responsável por supervisionar a conduta do Poder Judiciário, recomenda que não seja adotado o parcelamento.

Em 2010, o órgão decidiu que era nula uma norma da Justiça do Espírito Santo que estipulava que as férias poderiam ser fracionadas em períodos de 15 dias.

Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Estado continuou parcelando férias regulares e de licença-prêmio, como pode ser confirmado pelos avisos de afastamento feitos no “Diário de Justiça do Estado” ao longo de 2017.

“É preciso analisar caso a caso. Pode ser que ter períodos menores de férias seja uma conveniência da administração, para suprir a quantidade brutal de processos”, diz o advogado de direito administrativo Vitor Schirato, professor da USP (Universidade de São Paulo).

“Por outro lado, a repetição contumaz dessa prática, para ter um excesso a ser ressarcido pecuniariamente, pode ser abuso de direito”, afirma o professor.

“Mas direito é bom senso. Se eu faço algo que não é necessário para ganhar a mais, é um problema.”

Apenas emendar com um feriado ou um fim de semana no começo das férias não é irregular, uma vez que o TST (Tribunal Superior do Trabalho) já decidiu que férias sempre começam em dia útil, segundo Schirato.

Para Odete Medauar, professora aposentada de direito administrativo da USP, “existe uma tradição no funcionalismo de fracionamento de férias”.

“Pessoalmente, não sou favorável a uma rigidez nisso. São seres humanos, e a vida é de cada um, desde que não tenha prejuízo ao serviço”, afirma a professora. (Magno Martins)