Ivermectina: de tratamento para gado ao Nobel, a história do remédio sem eficácia comprovada contra Covid-19

G1/Por André Biernath, BBC
Os moradores de alguns vilarejos na África Central tinham duas certezas na vida: a primeira era que, na infância e no início da adolescência, eles precisariam guiar e auxiliar os familiares e vizinhos mais velhos, a maioria deles vítima de cegueira.
E o destino inexorável se certificava que, após os 20 e poucos anos de idade, eles também seriam acometidos pela deficiência visual e necessitariam do auxílio dos mais jovens para sobreviver.
O drama, que se repetia geração após geração, era causado pelo verme Onchocerca volvulus, transmitido pela picada de mosquitos borrachudos muito comuns nessa região (e também na América Latina e no Iêmen).
O parasita pode viver escondido no corpo por até 15 anos — com o passar do tempo, ele libera milhões de larvas microscópicas que afetam a pele, o sistema linfático e o nervo óptico, que nos dá a capacidade de ver o mundo.
O quadro, conhecido como oncocercose ou cegueira dos rios, ainda afeta cerca de 18 milhões de pessoas todos os anos.
A condição acomete principalmente um grupo de 28 países africanos, que respondem por 99% dos casos.
A cada 12 meses, um total de 6,5 milhões de pessoas desenvolvem sintomas da infecção, como lesões na pele e dificuldade para enxergar.

Dessas, 270 mil perdem a visão de forma definitiva.

Mas a situação já foi ainda pior e só começou a melhorar a partir de 1988, com a adoção de um remédio que acabara de ser aprovado para uso em humanos: a ivermectina.
No final dos anos 1980, esse medicamento passaria a fazer parte de um gigantesco programa de doação e alcançaria um dos maiores sucessos de saúde pública da história recente.
Mas para entender como esse fármaco saiu das bancadas de laboratórios, mudou a realidade do mundo e voltou aos holofotes durante a pandemia de Covid-19 por causa de disputas politizadas em torno de sua suposta eficácia (que ainda não foi comprovada por estudos científicos rigorosos), é preciso voltar ao ano de 1973 e acompanhar uma descoberta inusitada que aconteceu num campo de golfe da cidade de Ito, no Japão.
Ali começaria a história que mudaria a vida de milhões de pessoas pelos próximos anos.
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