Com agravamento da pandemia, Bolsonaro e governadores voltam a entrar em rota de colisão

Blog da Folha
Após entrar no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pedindo a suspensão de decretos editados pelos governadores da Bahia, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comparou as restrições impostas pelos governadores com “estado de sítio”. O presidente alega não haver previsão legal para o toque de recolher adotado em alguns estados como medida de distanciamento social. Na última sexta-feira, em entrevista ao canal CNN, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), foi categórico ao criticar a ação movida pelo presidente.
“Infelizmente, o Governo Federal não tem feito a coordenação. Pelo contrário: tem atrapalhado todo o processo que estamos implantando, quando espalham fake news, quando colocam tratamentos que a ciência mostrou que não funcionam, quando desdenham de muitas ações feitas e quando não veem que estamos com recordes de mortes em todos estados”, disse.
O consórcio Nordeste, grupo que reúne os nove Estados da Região, lançou carta para repreender a medida do presidente Bolsonaro ao entrar com ação judicial. “As medidas visam evitar o colapso do sistema hospitalar e foram editadas com amparo no artigo 23 da Constituição Federal, conforme jurisprudência do STF. Mais uma vez convidamos o presidente da República a somar forças na luta contra o coronavírus, que tem trazido tantas mortes e sofrimentos. E reiteramos que só existe uma forma de proteger a economia e os empregos: enfrentar e vencer a pandemia”, diz um trecho da nota oficial.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, chegou a telefonar para o presidente Bolsonaro para consultá-lo sobre as declarações relacionadas ao Estado de Sítio. Na ocasião, Jair Bolsonaro teria negado ao ministro do STF a intenção de adotar a medida.
Atualmente, o Brasil registra a perda de 287.499 pessoas em decorrência de complicações fatais da Covid-19. Os últimos meses foram fortemente marcados por conflitos entre os governadores e o presidente Jair Bolsonaro. Sobretudo pela discordância do que deve ser prioridade no enfrentamento à pandemia.
Segundo o cientista político e professor da UFPE, Ernani Carvalho, enquanto Bolsonaro defendeu abertamente o fim do isolamento social e fazia críticas ao uso de máscaras e vacinas, os gestores estaduais se empenharam em abastecer as unidades de saúde. “De um lado você tem o presidente, alguns prefeitos, e até alguns governadores, se aliando nesta perspectiva de que a economia não pode ser sacrificada, que é preciso um equilíbrio de ações nesse sentido, e um outro lado que tem adotado uma postura em defesa da vida. Em defesa das pessoas. E obviamente que isso gera conflitos para todos os lados”, explica Carvalho.
“Recentemente a popularidade dos governadores despencou, ela caiu de 42% para 32%. Se tem uma variação de estado para estado, mas na média mostra que existe um cansaço da população com algumas medidas. E também a própria desorganização, que inclusive impacta no Governo Federal. O Governo Federal hoje tem a pior avaliação da gestão da pandemia, em grande medida pela incapacidade de apresentar à população uma política de imunização coerente com as necessidades do País. Então, nessa disputa, polarização, os lados, não existem vencedores, todos estão saindo perdendo porque a população está amargando negativamente todos âmbitos. Mas isso tem um peso muito forte para o Governo Federal porque ele é quem está coordenando todo o processo”, concluiu.
Em diversos momentos no decorrer do ano, os chefes de poderes executivos protagonizaram embates. E vários desses momentos foram documentados por cartas de governadores aos brasileiros esclarecendo em conjunto o seu posicionamento sobre o acontecimento. Em conflito mais recente, no final de fevereiro, o presidente divulgou uma listagem de valores que teriam sido repassados aos estados para combater o vírus. Insinuando que os recursos não foram bem utilizados. Os governadores reagiram escrevendo que o presidente “parecia criar conflitos” e explicaram os erros das fontes de receitas.
Em julho do ano passado, em conversa com apoiadores, Bolsonaro chegou a chamar os governadores de “ditadores” e em outro momento, quando o País alcançou a triste marca de 5 mil mortes, mandou que se cobrasse o tema aos governadores.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello (que até a última sexta-feira não foi exonerado), também foi cobrado nominalmente por governadores em diversos momentos. O principal deles foi a vacinação. Por uma articulação do Consórcio do Nordeste, nesta semana, foi finalizado o contrato de 37 milhões da Sputink V. Em março de 2021,quando o País alcançou  o momento mais dramático da pior crise, governadores do Brasil estiveram em Brasília para visita às instalações da União Química e negociar novos contratos da Sputnik V.
Comitê
Pressionado pelo centrão a mudar de postura e enfrentando um embate com governadores, Bolsonaro busca a adesão da cúpula do Legislativo a uma coalizão de combate à pandemia na tentativa de evitar a abertura de uma CPI contra a gestão federal. A ideia do presidente é fazer com que a reunião com o Legislativo, prevista para a próxima quarta-feira, seja um primeiro passo para a criação de um comitê de enfrentamento à Covid-19, reunindo representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário. O apelidado gabinete de emergência discutiria, em encontros mensais, medidas para serem adotadas em conjunto no combate à pandemia. A criação do comitê é considerada por parlamentares como a última chance dada pelo Congresso a Bolsonaro para mudar de postura e parar de criticar medidas de distanciamento social.
Retrospectiva
Neste final de semana completa-se um ano do primeiro decreto de “Estado de Calamidade Pública” para Pernambuco. De Nº 48.833 e assinado pelo governador Paulo Câmara, o documento datado do dia 20 de março de 2020, trouxe em avaliação inicial a apreensão do que poderia ser o quadro sanitário do Estado no futuro. Além deste, outras 28 medidas governamentais, entre decretos e leis, também foram sancionados pelo governador desde março do ano passado.
Neste primeiro ano de gestão no combate à pandemia, Pernambuco já teve decretado dois isolamentos sociais rígidos, anunciou aberturas de novos leitos e hospitais de campanha, deu início a vacinação, se comprometeu com a compra de imunizantes por meio de consórcio e acumulou diversos confrontos com o presidente da República. No entanto, após a escalada de reforço hospitalar e médico contra a Covid-19, no segundo semestre o Estado desacelerou as regras de enfrentamento ao vírus. Foram anunciados planos de retorno às atividades em Pernambuco e em todo o País as cidades passaram pelas eleições.
Segundo dados da Secretaria da Saúde, em oito anos (2007 a 2014), o Estado construiu quatro grandes hospitais que, juntos, somam  mais de 200 leitos de Terapia Intensiva. Em 2020, em pouco mais de 3 meses, foram disponibilizadas mais de 900 vagas de UTI.
De volta a 2020, o boletim epidemiológico de Pernambuco registrou em 20 de março, 31 casos confirmados. O primeiro óbito só viria a acontecer cinco dias após, no dia 25 de março. Ainda assim, antes do primeiro óbito confirmado, o Governo de Pernambuco já havia anunciado várias medidas restritivas, como: proibição de eventos com mais de 50 pessoas e fechamento do aeroporto de Fernando de Noronha, além de cinemas, teatros, museus, academias e similares; a abertura de centenas de novas vagas de UTI e de leitos de retaguarda em todo o Estado; o fechamento dos shoppings, salões de beleza e correlatos, clubes sociais, bares, restaurantes, lanchonetes e comércio de praia.
Mesmo o governo tendo emitido as normas de distanciamento, cabe a Secretaria de Defesa Social fiscalizar a atuação do Estado para garantir o cumprimento das normas sanitárias. Segundo dados da SDS, em um ano, a pasta atuou em mais de 100 mil acionamentos da população por desrespeito às normas sanitárias e mais de 1,3 mil pessoas foram conduzidas a delegacias de todo o Estado por se recusarem a obedecer às determinações.
No ano passado, a administração estadual abriu mão da arrecadação de R$74 milhões ao  prorrogar o recolhimento do ICMS do Simples Nacional por 90 dias. O objetivo era reduzir os efeitos da crise na economia do Estado. No entanto, na avaliação de Rafael Ramos, economista da Fecomércio, esta medida é considerada “importante, mas com um impacto limitado”, já que ” daqui a três meses volta-se a cobrar e vai somar também com o pagamento de impostos de três meses à frente”. Ramos explica que esta medida foi reeditada pelo governo neste ano como uma demanda do próprio setor produtivo, mas alerta que outros pontos também poderiam favorecer o empresariado. “Eu acho que o governo poderia ver outra questão como o perdão, pelo menos de parte desses impostos, ou o perdão de multas e juros desses impostos”, afirmou.
Mesmo após a realização das eleições, o ex-prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB), tem continuado a atuar no combate à pandemia. Após deixar a Capital, o socialista foi designado ao cargo de Secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco. A Secretaria destacou 11 ações realizadas para mitigar os efeitos causados pela pandemia da Covid-19 na economia local.
Entre elas o “Plano de Convivência das Atividades Econômicas com a Covid-19”, que determinou a retomada gradual e planejada da economia em todo o Estado. O cronograma previu como 32 setores teriam as medidas restritivas flexibilizadas e como seria a carga operacional deste retorno. O documento foi apresentado no dia 1 de julho, e, naquele dia, o boletim trouxe 450 casos confirmados e o Estado totalizava 2.875 mortes pela Covid-19.