Brasil reconhece 16 estrangeiros como apátridas; saiba o que são e quais os direitos

G1

O Brasil abriga 16 pessoas reconhecidas formalmente como apátridas, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública obtidos pelo G1. Desse total, sete estrangeiros obtiveram o reconhecimento somente entre janeiro e maio de 2020.

Apátridas são pessoas que não têm nacionalidade de nenhum país por motivos diversos: desde a falta de reconhecimento de uma etnia específica dentro de um território a restrições da extensão da cidadania entre pais e filhos.

No Brasil, pessoas reconhecidas como apátridas são protegidas pela Lei de Migração de 2017, o que dá direito a viver no país como outros migrantes regularizados, inclusive podem tirar documentos e trabalhar. Além disso, essas pessoas podem requerer a nacionalidade brasileira após dois anos (leia mais no fim da reportagem).

Segundo o diretor do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça, André Furquim, o crescimento registrado no Brasil somente neste semestre se deve a um maior conhecimento do que é a apatridia e dos direitos dessas pessoas que não têm uma nacionalidade.

“É um tema razoavelmente novo, e o Brasil é um dos poucos países que conseguiram colocar a questão da apatridia em seu ordenamento jurídico”, explica Furquim.

Problema mundial

De acordo com relatório mais recente da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), o mundo tinha mais de 4,2 milhões de pessoas reconhecidas como apátridas no fim de 2019. Porém, por subnotificação, esse número pode chegar a 10 milhões.

Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur, afirma que difícil mensurar a real situação da apatridia justamente porque a maioria desses indivíduos não tem documento algum.

“O grande drama é este: o mundo ainda não tem uma situação clara da dimensão da apatridia, o que dificulta ações coordenadas para resolver o problema”, diz Godinho.

Acampamento rohingya em Bangladesh — Foto: Marília Marques/G1

Um dos exemplos mais emblemáticos citados pelo Ministério da Justiça ao G1 é o de um filho de poloneses nascido na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e que chegou ao Brasil ainda criança. Somente mais de 70 anos depois, o homem — que o governo não revela a identidade por questões de segurança — pode obter documentos oficiais ao finalmente ter a condição de apátrida reconhecida.

“Para ter a nacionalidade alemã é necessário que a pessoa seja filha de pais alemães. Poderia pleitear a nacionalidade polonesa, porém não possui nenhum documento pessoal ou de seus genitores”, explicou o ministério, em nota.

Outros exemplos casos que levam à apatridia apontados pelo Acnur são:

  • Buraco nas legislações sobre direito à cidadania por local de nascimento e ascendência: comum no Oriente Médio

  • Conflitos étnicos que levam certos grupos a não serem reconhecidos como cidadãos: caso de rohingyas no sul da Ásia e de pessoas que ficaram sem nacionalidade durante a independência do Sudão do Sul

  • Cassação de nacionalidade de filhos de estrangeiros, como ocorreu recentemente com descendentes de haitianos na República Dominicana

  • Cassação de nacionalidade por perseguição política

Uma nacionalidade para os apátridas

Para apátridas, o procedimento da naturalização é mais simples: precisam passar apenas dois anos residindo no Brasil — e não quatro, como ocorre com outras nacionalidades. Além disso, devem cumprir outros requisitos:

  • Comprovar capacidade de comunicação em língua portuguesa

  • Ter bons antecedentes

  • Não ter condenação criminal

Tornar-se brasileira foi uma conquista para Maha Mamo. Nascida no Líbano de uma família síria, nem ela nem os dois irmãos puderam obter cidadania nos dois países do Oriente Médio por entraves jurídicos: o casamento entre pessoas de religiões diferentes, caso dos pais, não era reconhecido por lá.

“Ao nascer sem existir legalmente em lugar nenhum, os problemas começam quando você está em idade de entrar na escola. Como você consegue matricular seu filho”, conta Maha.

Após 10 anos de procura de embaixada em embaixada em Beirute, Maha e os irmãos finalmente conseguiram embarcar ao Brasil em 2014 graças a um programa de vistos humanitário. Mas ao chegarem em Belo Horizonte, onde viveriam, os problemas apareceram: como a residência seria dada a um estrangeiro que não tem nacionalidade nenhuma?

No inicio, a família pediu refúgio — condição que deu a eles a possibilidade de conseguir documentos brasileiros. A história de Maha e dos irmãos, porém, acendeu um alerta às autoridades: era preciso existir um dispositivo legal para reconhecer a situação dessas pessoas sem nacionalidade.