Sobras de voto: quem se habilita?…

Maurício Costa Romão

Na reforma eleitoral de 2017 houve uma importante correção no modelo brasileiro de lista aberta.

Trata-se da alteração do art. 109 do Código Eleitoral, que estabelece regras para a distribuição de lugares nos Legislativos não preenchidos diretamente pelos quocientes partidários, ou seja, que dita normas para repartição das chamadas “sobras de voto”.

No § 2°original do art. 109 estatuía-se que somente poderiam concorrer às sobras os partidos ou coligações que tivessem obtido quociente eleitoral (QE).
A nova legislação da reforma mantém o caput do art. 109, mas reescreve o § 2º da seguinte maneira, ipsis verbis:

“§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito.”

Continua…

O novo regramento permite, assim, que siglas que não alcançam o QE, normalmente aquelas de pouca musculatura eleitoral, entre pequenas e médias, possam disputar sobras de voto com o pelotão acima do QE e ter perspectiva de ascender aos Legislativos.

Esse alento propiciado pela reforma, entretanto, é restrito a apenas algumas agremiações do “pelotão de baixo”.

De fato, a condição necessária, porém não suficiente, para um partido ou coligação do pelotão de baixo ter alguma chance de conquistar vaga por sobras no Legislativo é possuir votação nas proximidades do QE. Portanto, é uma sigla ou coligação de certa densidade de votos, vale dizer, de relativo apoiamento eleitoral da sociedade.

A condição suficiente é a de que essa votação esteja entre as maiores médias de voto nas rodadas de cálculo de repartição das sobras (o partido ou coligação que não alcançou o QE tem sua média de votos dada pelos votos válidos obtidos na eleição).

Ilustrando: na eleição para deputado estadual em 2010, em Pernambuco, a coligação PTN / PRTB ficou no pelotão de baixo com 83.125 votos, quantidade de votos relativamente próxima do QE, que foi de 91.824 votos, atendendo à condição necessária.

Naquele pleito, das 49 vagas em disputa, havia cinco a distribuir por sobras de votos. Entretanto, a coligação PTN / PRTB não ficaria com nenhuma delas, posto que sua média de votos se situaria na sexta colocação entre as mais altas (a última vaga por sobras – a quinta – coube a uma coligação com média de 84.016 votos, ligeiramente acima da votação da aliança PTN / PRTB). A condição suficiente não estaria satisfeita.

Padrão semelhante aconteceria na disputa para o Legislativo federal, naquele ano de 2010, em Pernambuco. O QE foi de 178.008. No pelotão de baixo, a votação da aliança PSL / PSDC / PHS / PRP / PTdoB, com 149.237 votos, foi a que mais se aproximou do QE. Considere-se que esta votação satisfaz a condição necessária.

Foram distribuídas três vagas por sobras, mas a média mais baixa das três rodadas de cálculos foi de 163.525 votos, bem maior do que a votação da referida coligação. De novo, a condição de suficiência não estaria atendida.

Nas eleições para deputado estadual e federal no estado, em 2014, os respectivos pelotões de baixo não tinham agremiações com densidade eleitoral e, portanto, sequer preencheriam a condição necessária.

Para não ficar apenas nos casos de não acesso aos Legislativos por siglas do pelotão de baixo, é oportuno apresentar um contra-exemplo:

No pleito de 2012 para vereadores, em Jaboatão dos Guararapes, o QE foi de 11.719 votos. A coligação PSL / PTB (11.488 votos) e dois partidos que concorreram isoladamente, o PSDC (10.364 votos) e o PMN (9.495 votos), não conseguiram assentos na Câmara Municipal apesar de suas votações ficarem próximas do QE, satisfazendo a condição necessária.

Das 27 vagas da Câmara, ficaram nove para distribuir por sobras. Tanto a coligação, quanto os dois partidos ascenderiam ao Parlamento municipal se aplicado o novo regramento, pois obteriam a primeira, a quinta e a nona vaga por média, respectivamente, contemplando a condição suficiente.

Há agora maior democratização de acesso aos Parlamentos, mas se requer certa estatura eleitoral dos concorrentes para fazer jus à abertura gerada na nova legislação.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. [email protected]