Padre gay escreve a católicos e evangélicos…

1145380_310239James Alison é sacerdote católico. Define-se como “um sacerdote católico que procura, a partir da teologia, saídas para todo tipo de amor, incluindo o amor gay”. Afirma que “aqueles que mais perseguem os gays na Igreja são gays reprimidos” e confessa, a partir de sua experiência pessoal, que aquilo que mais lhe doeu “não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons”.

Ele foi dominicano e, ao ser desligado da Ordem, manteve seus votos sacerdotais. No entanto, é um “padre errante”, sem paróquia, pois não encontrou bispo que o acolhesse até hoje. Inglês, mora no México atualmente.

Alison escreveu um artigo na primeira pessoa para a edição em espanhol da Newsweek veiculado recentemente e traduzida para o português pelo Cepat. Escreveu como sacerdote e teólogo, conhecedor da cultura e pensamento evangélicos  -seu pai foi deputado evangélico pelo Partido Conservador na Inglaterra e sua mãe, igualmente evangélica, ajudou a organizar diversas marchas “a favor da família” mas, na verdade, contra as pessoas LGTB.

Continua…

Leia o artigo a seguir:

Meus pais ajudaram a organizar uma marcha em Londres, a favor da família, em 1971. Foi parecida com aquelas que ocorreram no México e na Colômbia, no ano passado. Eram manifestações massivas de repúdio ao movimento em favor da regularização da vida das pessoas LGBT, seja pela descriminalização da homossexualidade, seja, mais recentemente, pela chegada do casamento civil igualitário.

Agora, coube-me ir em sentido contrário ao de meus pais: falar pessoalmente, como teólogo e sacerdote católico, que nesse caso também é um homem gay sem armário, ou fora do “closet”, a respeito das marchas e seus efeitos. Tocou-me dar este testemunho diante de vários públicos, católicos e ecumênicos, na Colômbia, no ano passado, e no México, nesta Quaresma.

Por que levantar a voz? Em primeiro lugar, porque nem meu pai, um deputado evangélico da linha do Partido Conservador, nem minha mãe, que participou na organização da marcha britânica, sabia que o menino que tinham em casa era gay. Eu, sim, acabava de aprender no colégio, aos nove anos, que era um queer – joto ou puto. Mas, caso eles tivessem sabido, é de se duvidar que teriam mudado de parecer.

Durante muitos anos, e no caso de meu pai até pouco antes de sua morte, seguiam pensando que ser gay era uma escolha livre que é feita por pessoas perversas e contrárias à fé cristã. Meu pai chegou a suspeitar que eu havia me tornado gay como ato pessoal de hostilidade ou vingança para com ele. De qualquer forma, o modelo que as pessoas de convicções evangélicas fortes seguiam, naquela época, era o de Abraão. Este manifestou sua obediência a Deus ao se mostrar disposto a sacrificar seu filho Isaac. Como não o imitar, então, com toda a dor de alma provocada, ao sacrificar psicologicamente o filho gay?

Certamente, não fui a única criança da época que cresceu sob esta sombra. Ainda que muitíssimos de meus contemporâneos não estejam aqui para dar seu próprio testemunho, pois a colheita da AIDS entre os que chegaram à maturidade sexual, entre 1980 e 1985, foi devastadora. Contudo, não resta dúvida que entre as famílias que organizaram as recentes marchas, deve haver mais de um cordeirinho rosa que corre o risco de chegar com terror à adolescência e à maturidade como ovelha ou carneiro rosa. Irá descobrindo que a tão elogiada vida familiar de seu lar se verá submetida a forças estressantes imensamente destruidoras para todos os seus membros.

No entanto, não serão causadas por ele ou ela, mas, sim, pela falta de veracidade de gente religiosa que pouco motivo tem, pois já sabemos muito mais do que se sabia há meio século. Por esta razão, parece-me inexorável falar destas realidades pessoalmente, como uma tentativa, sem dúvida inadequada, de dar testemunho do processo das últimas décadas que permitiu que pessoas LGBT, católicas e evangélicas, entre outras, começassem a viver de maneira harmoniosa a fé, como também a realidade da orientação sexual ou a verdade sobre o gênero.

Alguns dirão que falar de gay, em primeira pessoa, torna-me indigno de ser um sacerdote. Minha resposta: Deus tem o costume de escolher o inadequado para dar brilho a suas obras. Mesmo assim, a respeito de minha indignidade para o sacerdócio, estamos de acordo. No entanto, duvido que seja muito maior que a de muitíssimos irmãos sacerdotes. Afinal de contas, não é exatamente um segredo que a proporção de homens gays no sacerdócio supera em muito aquela da população em geral.

A questão é se sim ou se não se resgata um pouquinho a indignidade, ao se arriscar vivê-la com algo de transparência. E minha experiência é que ao ter que escolher entre a indignidade transparente e a indignidade encoberta, o povo fiel prefere a primeira em seu padre. Afinal de contas, a vulnerabilidade é sempre mais atrativa que uma rigidez mantida pelo medo. Muitos clérigos se referem a “eles” ao falar de pessoas gays, quando, visto quem fala, a palavra “nós” seria mais adequada. E isto já está deixando de ser mentirinha branca para se tornar algo bem mais grave. Sobretudo, quando o tom acusador é acusador, como tantas vezes ocorre!

Então, o que ocorreu nas últimas décadas para que percebamos que, na verdade, a defesa da família passa, ao contrário, pela aceitação serena de seus membros LGBT e a convivência com eles, e não por sua rejeição, com a conseguinte destruição da família?

Aqui, primeiro quero falar com a linguagem católica e, em seguida, com a linguagem evangélica. Conheço bem as duas, pois me converti da religião evangélica de meus pais para o catolicismo, aos 18 anos. Em parte, por ter me apaixonado por um companheiro católico do colégio e, em parte, por ter apreciado que a compreensão católica da natureza humana, mas aberta ao aprendizado sobre o que verdadeiramente existe, desembocará no reconhecimento de que o amor é o amor, independente da orientação sexual. Mas, deixando minha história pessoal de lado, a verdade é que nos dois campos, a esta altura do campeonato, existem recursos mais que suficientes para que qualquer pessoa de boa vontade possa reconhecer aquilo que é verdadeiro, sem colocar em risco a integridade de sua fé.

A primeira coisa que me coube viver é a mudança de percepção das ciências humanas em relação ao gay. Aquilo que antigamente se considerava ou bem um vício ou uma patologia já foi comprovado, mais de uma vez, que é uma variante minoritária e não patológica dentro da condição humana, e algo que ocorre regularmente. Tornou-se evidente na medida em que os estudiosos foram descobrindo que não existe patologia alguma intrínseca ao fato de se ter uma orientação sexual gay. Ou seja, todos, pessoas heterossexuais e pessoas gays, temos tendência a todos os tipos de problemas psicológicos, mas nossa respectiva orientação sexual não é, em si, um deles.

Isto já se havia demonstrado nos anos 1950 do século passado, e pouco a pouco foi se comprovando em nível mundial até chegar a ser ciência pacificamente aceita. A esta altura do campeonato, só não a aceitam os teóricos da conspiração que dizem que a ciência foi adulterada por um poderoso “lobby gay” internacional, e alguns entre o alto clero, para quem a versão pré-científica é conveniente.

Antigamente se comparava o ser gay com uma patologia: por exemplo, a anorexia, que é, objetivamente falando, uma desordem muito séria. Agora, de forma mais justa, pode ser comparado com a surdez, que ninguém duvida que seja uma variante minoritária e não patológica.

Isto significa, sobretudo na Igreja Católica, onde a chamada “lei natural” nos ensina a discernir como atuar a partir do que realmente somos, que o fato desta ou outra orientação sexual é de mínima importância moral. É o uso da vivência relacional e erótica da pessoa segundo sua orientação sexual que seria bom ou ruim, de acordo com o caso. Até um dos bispos que esteve presente no Sínodo da Família, em 2015, reconheceu isto ao constatar que “o reconhecimento da existência da orientação estável muda tudo”.

Tudo isto se torna mais patente ainda, se levamos em conta os avanços dos últimos vinte anos, onde ficou claro que a configuração biológica, com componentes genéticos, hormonais e outros, que se manifestará em uma pessoa adulta gay ou lésbica já está presente antes de nascer. Ou seja, o fato de adultos buscarem exercer uma pressão para a heterossexualidade sobre uma criança que será gay, só resultará ineficaz. Assim também como toda “cura” que se possa tentar. E toda tentativa neste sentido tenderá a prejudicar a criança.

Por outro lado, tampouco é possível “recrutar” um jovem ou uma jovem heterossexual para a outra equipe: até mesmo os que durante a adolescência foram mais curiosos, os que passam meses ou anos encerrados ao mesmo sexo, na prisão ou na marinha, por exemplo, tipicamente acabam por ser o que sempre foram, uma vez aberta a possibilidade de uma vivência segundo sua natureza.

Sem sequer que tenham muitos dos elementos científicos à sua disposição, os povos de maioria católica parecem ter se dado conta do real sem muito problema: se alguém é assim, então o importante é que seja assim da melhor maneira possível. E como se ama a família, então é evidente que o parceiro de “meu tio Roberto” não é um tal Eduardo, mas “meu tio Eduardo”. Ou seja, distinguir entre algo violento, abusivo e pecaminoso, e algo terno, amoroso e enriquecedor da vida da família não é tão difícil. E os Bispos que trovejam, só perdem credibilidade.

Igualmente, no mundo evangélico, para os que desejam, sobram recursos para mostrar a inexistência de qualquer passagem na Bíblia, tanto na hebraica como na cristã, que denuncie aquilo que somente a partir de 1868 passamos a chamar de “homossexualidade”.

Qualquer tradução da Bíblia que utilize esta palavra para atualizar as realidades muito antigas ali descritas é filha de uma moda interpretativa moderna, politizada e pouco caritativa. Por exemplo, é perfeitamente evidente que o pecado de Sodoma foi de soberba, envaidecimento e inospitalidade: assim o descreve o profeta Ezequiel.

O abuso sexual que se praticou sobre os visitantes nada tinha a ver com uma orientação sexual, e tudo a ver com a prática de humilhar um anfitrião, degradando seus convidados. Os abusos da Prisão de Abu Ghraib têm tudo a ver com Sodoma. A vivência do casamento igualitário, absolutamente nada.

Até a famosa frase do Levítico 18 [n. d. t. versículo 22] […], com sua sintaxe misteriosa, é com toda probabilidade uma referência à prostituição sagrada dos cultos de fertilidade do povo Cananeu. Forma, além disso, parte do código de santidade do povo de Israel que foi revogado para todo cristão proveniente da gentilidade por São Pedro, em Atos dos Apóstolos, 10.

Ou seja, para os cristãos, em matéria de pureza, nada está proibido e a questão da bondade de algo depende de ser ou não apropriado, conveniente. Para isto, é necessária uma prática habitual de discernimento para determinar o bem a seguir e o mal a evitar, e quaisquer regras são guias que nunca podem substituir a consciência.

Compreendida a diferença entre uma orientação sexual estável, vivida de maneira amorosa, e as práticas de humilhação sexual e de prostituição sagrada que proliferavam no mundo antigo, torna-se fácil entender que os trechos do Novo Testamento se referem à idolatria subjacente a estas últimas realidades.

Sobre a primeira realidade, o Novo Testamento, a exemplo de Jesus, mantém um silêncio total. E não é que faltavam na cultura grega palavras que avistavam uma realidade mais próxima à moderna, se fosse esta a que São Paulo buscava condenar! No entanto, quantas traduções tergiversam estes matizes da palavra de Deus e se prestam a ensombrecer cruelmente a consciência de jovens LGBT e seus familiares!

Pouco após as marchas da família no México, chegou ao país um novo Núncio Apostólico. Aparentemente, pediu aos bispos que diminuíssem o tom. E o cardeal (Norberto) Rivera até se desculpou, pedindo ajuda. Afirmou que o clero sabe pouco sobre LGBT, e precisa de quem lhe eduque.

Pergunto àqueles que realmente tenham em seu coração os interesses das famílias, atuais e vindouras, por que não levar a sério aquele convite? É preciso insistir em preparar as pessoas que não temam falar destes assuntos pessoalmente. Assim, uma verdadeira informação, tanto científica como bíblica, poderá ser repassada para o bem da família, por meio de testemunhos sadios que sabem do que falam: informação não contaminada pelas práticas evasivas do mundo eclesiástico, nesta matéria, e nem pelo oportunismo político partidarista. (Dom Total / Outras Palavras)